NAVE ESPACIAL
Quando meu pai chegava em casa, ele me fitava por um tempo sem dizer nada, e depois ia para seu quarto. As vezes, à noite. Eu o via beber algumas garrafas de vinho enquanto fumava, quando não o havia sono, na sala. Em algumas ocasiões raras, sentávamos a mesa e comíamos nosso jantar. Nessas ocasiões ele sempre falava sobre a vida, emprego, e de vez em quando comigo. Nessa ocasião, enquanto comia, ele olhou para mim e perguntou como estava minhas notas na escola. O respondi dizendo que estava bem, e, orgulhoso, disse que tinha as melhores notas da turma.
-Você tem as melhores notas da turma. - Disse. - Mas não sai de casa. Não brinca com as outras crianças. Fica seus dias presos aos livros e escrevendo. Você se acha melhor que as outras crianças?
-Não. - Respondi.
-Você é estranho Altair. - Ele cortava um pedaço de carne. - Talvez eu não esteja tão presente em sua vida para te ensinar ser homem. Talvez seja minha culpa o fato de você está longe das outras crianças. Eu não o ensinei o suficiente.
Minha mãe comia displicente seu prato. Ela raramente me dava atenção. Tentava a todo custo ter seu amor, mas fracassava. As únicas coisas que sabia dizer era: “Vá para escola”, “Não se esqueça de dormir cedo, escovar os dentes e desligar a TV”, “Lave a louça”, “Arrume sua cama”, “Não diga nada para seu pai o que eu disse com a Carla esta tarde.”
Ela passava boa parte de seu tempo fumando e falando pelo telefone. Eu ficava nos meus livros que ganhara na escola. Lia sem parar, dia e noite, noite e dia. Preferia ficar imerso nas páginas ao invés de assistir aquelas cenas. Nada daquilo fazia sentido para mim. Me sentia estranho naquele lugar, com aquelas pessoas. Via os pais das outras crianças, e eram diferentes dos meus. Havia atenção, amor e recompensas quando recebiam boas notas na escola.
Observava a carne no prato, enquanto meu pai falava o seu desejo que tinha de espancar o próprio chefe. Falava das conquistas dos outros empregados e esbravejava a sua não ternura por eles.
No dia seguinte. Fiquei sem sono e fui olhar as estrelas. Imaginando a possibilidade de existir outros mundos lá fora. Talvez em algum outro lugar haveria uma família que me amasse. Eu os visualizava, sentia nossos momentos juntos, e quanto eles me adorariam. Então fiquei pensante. Pensei em montar uma nave espacial e alcançar os céus, cruzar as mais lindas estrelas e chegar até minha família de outro planeta. Abraçá-los, e dizer que estava vivendo um pesadelo em outro mundo. Dizê-los o quanto os amava. Mas como em qualquer sonho, tudo não se passa de uma mera miragem boa demais para ser verdade. Uma doce ilusão prazerosa. Que empegava enquanto dormia.