Um dia de Domingo
As vezes, lembrar de certas situações, mesmo que nos tragam lembrança de um momento infeliz, lá na frente, tudo se compensa com a capacidade que cada pessoa tem de se regenerar, sair da dor e rir. Por assim dizer, sem ser dono da verdade, talvez, pra mim, que não fui vitima, em Belém, desse tipo de aliciamento, me disponho a lembrar, mais como uma questão de registrar. Assim, em Belém na década de 80 para trás, na feira do barreiro ou nos ônibus, com mais especificidade no Djalma Dutra ou Sacramenta Nazaré, aconteciam essas mirabolancias. Não, que em pleno século xxi as coisas em minha cidade tenham mudado, pois fato é, que devem ter diminuído, mas desaparecido, duvido. Assim vamos contar, ilustrando com alguns amigos de infância como as coisas aconteciam:
Júnior, acompanhado por Pedrinho, residentes da rua do Fio, no famoso bairro dos artista, o Telégrafo, foram a feira do Barreiro, bairro popular, localizado entre o Telégrafo e a Sacramenta comprar um Tambaqui , que dona Otália, mãe do Júnior, desejosa pra comer um assado com açaí, o encarregará de comprar para fazer o almoço de domingo.
Obedientemente o menino seguindo pela rua do fio ao cruzar a rua são Pedro, encontrou seus amigos Pedrinho, que conversava sobre um filme da noite anterior com Casemiro. E como era comum, entre amigos, Júnior pediu a companhia de ambos na empreitada, apenas concordada por Pedrinho, pois como estava próximo ao almoço e conhecendo bem dona Maria, sua mãe, Casemiro esclarecia não os acompanhar, achou melhor volta pra sua casa e não tomar parte naquela aventura.
De maneira, que ambos se despedindo, Junior e Pedrinho caminharam para tomar a rua São João - observem o nome de santo nas ruas, talvez para amenizar a periculosidade do local- Os dois seguiram sob o rito comportamental de dois adolescentes da época... rindo, brincando, aéreos, sem se preocuparem com os perigos ao redor, que sorrateiramente os observavam. Chegando a ponte do Barreiro, que passa sobre o rio, igarapé maltratado e ainda hoje mal olhado pelas autoridades competentes, quanto a sensibilidade de valorização e o cuidado ao meio ambiente e a população ali residente, navegava agonizante, como todas as manhãs em brados sussurrados de socorro até debruçasse sobre o famoso canal do galo, onde também, as suas margens se acumulam árvores, que fazem o sombreado pra amenizar o calor, além é claro das pessoas, das variadas vendas da feira ao ar livre, do ponto de fiscalização dos ônibus, Djalma Dutra com o famoso Sacramenta- Nazaré - este último faz referencia ao itinerário da Basílica de Nazaré, onde a padroeira do Estado, de toda a festança de outubro traz em seu bojo o famoso Círio. Vale ressaltar, o nosso Sacramenta, que responde nas entrelinhas na tradução popular a alcunha ,de Sacra-Bala, muito contestada pelo falecido dono, por causa desse codinome pejorativo. De forma, que os dois meninos seguiam a cumprir o que lhes foi incumbido e assumido, em meio a todo aquele povaréu... Gente gritando, gente gesticulando, gente apressada, gente atrasada, gente, muita gente e o ônibus no prego - com defeito por falta de manutenção e fiscalização, bem como ônibus por sair. Cada qual, em seu espaço, trabalhadores, fregueses, desocupados e vendedores querendo vender o seu produto a objetivos diversos, numa aula a céu aberto de como vender e comprar.
Como de comum, sob um sol regiamente alegre e bastante aquecedor, num entra e sai dum beco corredor, mal estruturado, mal higienizado, mal urbanizado e tantos outros males, tentando resistir ao tempo com um bem imensamente maior, o de servir as necessidades daquela humilde, sofrida e porque não dizer, esquecida amostra da população paraense.
Naquela procissão de tantos vai e vens, como um estagio a corda do Círio de Nazaré, naquele valsar no ar de cheiro e odores do Pará, misturados a urubus e garças, que esperavam atentamente por um quinhão perdido ou jogado ao chão e por que não lembrar também, do aproveitar da desatenção de algum vendedor pra levar algo pra comer. Naquele entre e sai, naquele aperreio sem asseio da feira, olhando as muitas barracas de frutas, com paneiros de Bacuri, Uxi, Ingá, Manga e Cupuaçu. Outras com camarão, Farinha de Bragança e outra regiões; chicória, couve e inúmeros temperos, os dois meninos procuravam o seu Antônio, que tinha uma barraca de venda dessas especiarias, que incluía o peixe, quando foram imprensados, amassados, enrolados até saírem daquele furdunço, numa clareira, bem em frente as senhoras que vendiam tucupi, jambú e a tapioca, ingredientes para o tacacá. Foi ali mesmo, que se deram conta de que o dinheiro para a comprar a especiaria da mãe havia sumido. Tentando imaginar o que teria acontecido, os dois pensavam em desespero; tudo foi tão rápido e insensível, que não dava para acreditar. O dinheiro estava dentro do short do menino, envolto a sacola de fazer feira dizia ele a sue amigo. Como não havia resposta plausível para eles. Começou o vaticínio do Júnior , já imaginando a surra que poderia pegar por não ter o devido cuidado. Sem dinheiro e sem o peixe, Júnior ficará desolado, enquanto que Pedrinho pensava em algo pra amenizar.
Andando para voltar, já entregando qualquer alternativa de safa-se, Pedrinho imiscui-se e o convenceu a procurar a barraca do senhor Antônio, que talvez conseguisse ajuda lá. Após alguns minutos, lá estava o seu Antônio e um tal de Cabeludo, bem em baixo de uma junção, das árvores de Taperebá e Mangueira, que ramificavam parte pra feira e a outra pra onde o rio fazia a sua caminhada. Lá eles rebobinaram a situação que viveram ao seu Antônio:
Dizia inocentemente Pedrinho:
- Seu Antônio, por favor, ajuda a gente.
Por conseguinte, sob um nervosismo que contagiava Júnior falava:
- Estava lhe procurando pra comprar um Tambaqui, que a mamãe mando comprar. Mas no caminho pra cá, não sabemos dizer o que aconteceu. O dinheiro, que estava dentro dessa sacola, dentro do meu short se perdeu.
Cabeludo do lado do seu Antônio, com a sua venda de farinha rio-se a fazer troça dizendo:
- Se vocês não perderam, então foram roubados- roubado no sentido de furto. E continuou rindo dos dois adolescentes nervosos.
E os meninos tentavam, em vão, buscar explicações:
_ Mas como teria acontecido, interrogava o Júnior.
Seu Antônio, após vetar o seu ajudante Cabeludo, por entender a situação. complementou:
- Meninos, nesse empurra empurra da feira, aos desavisados e distraídos, tem os "dedos leves", que ao observarem vocês, se aproximaram e nesse vai e vem meteram as mãos em seus bolsos, sacolas, short e tudo mais. Tirando qualquer coisa sem vocês sentirem. Aqui, na feira, em qualquer parte do mundo, tem que se ter o devido cuidado. Aqui também, na feira nós temos muitos artista, que usam dessas e de outras artimanhas pra levar vantagem sobre qualquer trabalhador.
E seguiu falando:
- Bem o problema já está. Vamos nos concentrar em resolver, que é o melhor. Vou mandar o peixe a Dona Otália e você conte a ela o que aconteceu e depois veem como me pagam. Mas que fique com o exemplo, pra vocês, quando vierem a qualquer feira, não se distraiam, pois temos muitos mágicos sem cartola.
Agradecidos, os meninos foram com a mercadoria e como todo bom Brasileiro, que só fecha a porta da casa depois de arrombada, seguiram as margem do rio e da feira, entre um empurra empurra e outro, bem mais atento.
Quando chegaram a rua do Fio, cada menino seguiu pra sua casa. Júnior entrando pelo chagão da sua casa, espaço lateral, entre a casa e o muro do vizinho... Juninho, como ela o assim chamava carinhosamente, entrou e contou a façanha. Pra espanto calado de sua irmã Carla, que estava sentada a mesa a fazer o vinagrete, enquanto sua mãe preparando o fogo no pequeno espaço do quintal falou:
- Junininho, meu filho você se machucou, interrogou ela. E em seguida completou dizendo : Você tem que ter mais atenção, você sabe como é aqui, essa feira tá cheia de desocupados.
Eu sei mãe. Pôxa me desculpe. Mas tudo foi tão rápido, que nem sei como isso aconteceu.
Por fim ela encerrou:
- Tá tudo bem, falo com o seu Antônio depois. Agora vá tomar seu banho, enquanto eu preparo o peixe pro almoço.