AEROMOÇAS

 

Jingo andou pelo aeroporto com a tranquilidade do “tudo pago” já há alguns dias antes… Sempre que diziam que ele não precisava se preocupar com nada, Jingo se sentia um impostor e todo seu corpo começava imediatamente a sofrer. Mas estava se esforçando que sentimentos assim não viessem à tona. Olhou um banquinho e quase sorriu.“Posso comprar um hambúrguer… ou pedir um café. Comprar um livro. E me sentar bem ali…” Virando pro outro lado um homem destruía um pastel de carne como imperadores destruíam mulheres ao fim das guerras. Sentiu nojo e virou o rosto. “Eu vou pedir DOIS sanduíches…”. Minutos depois, Jingo estava então sentado no banco, aguardando o voo. Dois sanduíches no colo com um ar infantil de satisfação. Não se importava em ser esquisito pros outros, compraria vinte hamburgueres se sua vontade fosse de comer vinte. “Gostaria de uma bebida Sr.?”

 

– Hã?! Ué, aqui nem é a avião ainda…! Desculpa, você deve estar me confundindo com outra pessoa, moça… Eu ainda vou embarcar e não paguei por esse tipo de serviço.

– Olá Sr. Jingo… Eu sou a sua aeromoça. E nós aeromoças NUNCA estamos erradas!

– COMO CÊ SABE MEU NOME?! – Uma outra aeromoça se aproximou “SIM! NUNCA ESTAREMOS ERRADAS”.

– Por favor, permaneça sentado! Não queremos assustar os outros passageiros.

– QUÊ?! Que passageiros?!

– “Embarcaremos numa viagem agora…”

 

Jingo já estava prestes a abrir o chuveiro. A água quente num calor horroroso…Prestes a vir quente mesmo programada para vir fria. Que caixa d’água não esquentaria num diário e constante de quase quarenta graus?“ Constante, constante…”… se sentia inconstante. Nada parecia real… Um bichinho nojento andava pertinho do ralo. Jingo odiava insetos; aquilo não era uma barata mas se parecia com uma. Não era um grilo mas se parecia com um. Não era exatamente um besouro… “Quantos tipos de besouro você conhece…?”. Tentou tirá-lo a petelecos de perto dele. O bichinho ficou zonzo e distante, caído no outro canto do box, de barriga pra cima… perninhas se debatendo. Jingo fechou os olhos.

 

A água não era “desagradável” mas era uma água QUENTE num corpo quente, num dia extremamente quente. Abriu os olhos outra vez. O bichinho não estava mais lá. “PRA ONDE ELE FOI?!”. Jingo olhou as paredes, azulejo por azulejo, olhou a cortina e o piso, olhou seus pés. Coração acelerado, paranoico… A voz das aeromoças cantarolando em seu ouvido… “Rum, rum… rum, rum… rum-rumrum; Senhor, você parece desconfortável… Senhor. Haveria um besouro colorido dançando no seu ouvido, Senhor? Rum, rum…”.

 

As vozes pareciam vir às vezes de longe e outras vezes bem do seu lado. Algo na consciência de Jingo tentava lhe enviar sinais e mensagens, sobre o mundo real… informações de que talvez ele não estivesse mesmo no banheiro. Mas, ao mesmo tempo, nada que sentia era falso. A água descia, ele podia sentir… E o calor também. Sentiu uma “coisa” caminhando em sua orelha tentando entrar em seu ouvido. Estapeou com tanta força a própria face que caiu no chão molhado, se enrolando com a cortina. Suas mãos se debatendo como quem se afoga… Aquilo tudo doía demais pra não ser verdade. O besouro no ouvido, suas costas e nuca atiradas no chão, aquela manhã QUENTE COMO O INFERNO. Ao mesmo tempo escutava cantos e sussurros que lhe traziam de volta, por milésimos de segundos, o ar-condicionado do ambiente plástico e fechado do aeroporto. Tentou gritar por socorro… a voz não saía.

 

– Senhor… não se IRRITE!… Está tudo “OKEY DOKEY”! – Disse a aeromoça.

– SIM! Simm! OKEY DOKEY, senhor… – Completou a outra.

– Está tuuudo MUITO BEM…! – Disse uma NOVA aeromoça, agora eram três.

– É só apertar os cintos e curtir a viagem…

 

“É SÓ APERTAR OS CINTOS, SENHOR!”, gritaram ao mesmo tempo.

Jingo abriu os olhos de novo e estavam em sua frente… O aeroporto em sua volta. As pessoas apressadas pareciam não vê-los. As aeromoças não paravam de sorrir e estavam PERTO DEMAIS. Jingo tentava se mover e não conseguia. Estava morto de vontade de urinar, e apesar dos grunhidos que soltava a cada vez que era tocado por aquelas mulheres, ainda precisava se concentrar entre aquela situação invasiva e agonizante e a calça e assento prestes a se encharcar de xixi… Jingo tinha problemas com proximidade… Sérios problemas.

 

– Por favor, senhoritas… Por favor. Vocês estão… PERTO DEMAIS, estão… Não dá pra se afastar um pouco? POR FAVOR?! Que tal se eu puder falar com seu superior ou com alguém da empresa? Sabe? Er… É que eu não tô me sentindo muito bem…! Aliás, QUERO ADIAR MINHA VIAGEM, tá bom? VOCÊS PODEM SE AFASTAR?

 

Uma das três se afastou e saiu andando, dando a volta em Jingo, que podia ouvi-la atrás dele fazendo barulho como quem mexe numa mala grande ou numa caixa. Paralisado, não podia se virar e olhar. Em seguida ela retornou… De todas elas, era a que mais demonstrava expressões um pouco mais realistas. As outras se pareciam bonecas Barbies. Mas esta, ficava séria e o encarava nos olhos, fixamente. Agora voltara carregando consigo um martelo. Ao contrário das outras, que estavam sempre rindo ou sorrindo de forma robótica. Ela se aproximou, os narizes quase se tocando… E seu semblante era de puro ódio. As outras duas pararam de cantarolar e se afastaram. A aeromoça balançava o braço com o martelo, numa espécie de dança, se aproximando de Jingo quase como se fosse beijá-lo. Ele sabia o que estava prestes a acontecer.

 

– Senhorita, desculpa se fiz algo que te ofendeu… É que… Eu só estou um pouco stressa… – A frase foi interrompida com a violenta martelada em sua cabeça, perto dos olhos. Atordoado, Jingo mal sentiu a dor do impacto. Mas tudo em sua volta passou a rodar e sentiu seu rosto ficando molhado de sangue.

Quis se abaixar tentando levar a cabeça entre as pernas, longe de conseguir… Então a mulher mais uma vez foi até suas costas. A cabeça de Jingo balançava como um boneco quebrado, atordoado de medo e confusão, quando recebeu – agora na nuca – mais uma martelada, com ainda mais força. Desmaiou…

 

Acordou minutos depois e logo se viu numa espécie de passado num desenho animado malfeito. Olhou para cima e viu uma menina gigante, aparentemente sentada numa escrivaninha, com um lápis na mão. Ela desenhava a morte de pessoas queridas… Jingo viu seu irmão que se foi cedo, e alguns amigos de infância. O mais aterrorizante foi ver a morte de pessoas que ainda estavam vivas e tinha pavor de perdê-las. No mesmo desenho feito de palitinhos, ele se viu no dia do término de um casamento, sozinho na porta de um prédio, cheio de malas em sua volta, aguardando um táxi com medo de chuva e assalto. A diferença é que naquela sua versão cartunesca ele tinha orelhonas de burro e pés enormes. A menina sorria enquanto desenhava a chuva em sua volta. A chuva que molharia suas roupas e sua tão amada vitrola. A menina desenhou asas em suas costas e Jingo voou pelo céu da cidade chuvosa, abraçado em sua vitrola queimada e suas roupas caindo e caindo… Em seguida a menina simplesmente desenhou um novo Jingo, sozinho… Sentado numa cadeira num quartinho, encarando o nada. Jingo olhou sua criadora desenhista e ela Não era mais uma menina, era aquela aeromoça outra vez, sorrindo diabolicamente. Ela desenhou um martelo que ficou ali parado no ar ao seu lado, bem pertinho de seu rosto.

 

Jingo abriu novamente os olhos… A cabeça pesada de dor… O sangue já seco e fétido em seu rosto. Estava sendo levado numa maca. Olhou em volta, uma multidão no aeroporto olhando e comentando, estavam realmente assustados com ele. Em sua volta a equipe de resgate estava apressada.

 

– O Senhor se lembra de alguma coisa?! – Perguntou um deles. Jingo apenas sorriu. Os dois homens que o levavam se entreolharam, como quem diz: “não adianta falar com ele agora…”. Uma mulher os esperava numa ambulância parada com as portas abertas. “O que aconteceu?!”, perguntou… “Ele bateu na própria cabeça com um martelo, enquanto gritava ‘AEROMOÇAS! AEROMOÇAS!’”. Jingo ouviu a conversa. Não concordou com aquela versão da história, mas se sentiu salvo e seguro. Cansado demais pra tentar discutir… Mal conseguia se manter de olhos abertos. “Cês não viram elas, não?…”, balbuciou antes de desmaiar outra vez.

 

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 05/07/2023
Código do texto: T7830178
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