Abismo

Ela ainda se lembrava de como o nada era estranhamente sufocante. Não costumava ter forma, cheiro, gosto ou voz. Ela não podia tocá-lo e, muitas vezes, sequer percebê-lo. Não importava quantas vezes tentasse erguer suas mãos para alcançá-lo, ele não era o suficiente para reestruturar seu mundo feito apenas de ossos, carne e sangue. Mas a teimosia fazia sim com que tentasse pela milésima última vez, ainda que todo seu corpo já estivesse exausto pelo esforço. “Afinal”, costumava se perguntar, “se o nada é apenas o vazio que ecoa em meu peito, como pode ser capaz me sufocar tanto?”

Era bem verdade que ela pouco sabia das coisas - mesmo daquelas que, a essa altura, talvez já devesse conhecer -, mas, se tinha certeza de algo, era a de que, na companhia dele, não deveria sentir esse peso. Isso não parecia comum, não parecia certo. Afinal, para tanto, ele precisaria existir. E nada deveria existir. Deveria ser impossível conceber até mesmo o que era aquele vazio, já que, uma vez nele, nada poderia fazer sentido. Não existiria sentido. O vazio excluiria a si mesmo.

Então, onde ela estava?

Ora, talvez não houvesse pergunta mais inútil. Não existia lugar algum.

O que ela estava fazendo ali?

Bem, se nada existia, como poderia qualquer um fazer qualquer coisa?

Aquelas respostas vinham acompanhadas de uma dor que refutava sua própria existência. Agora, ainda com suas mãos estendidas, ela sabia. O vazio talvez não estivesse ao alcance das pontas dos seus dedos, mas existia. Era o formigamento que crescia e deslizava sob sua pele, percorrendo cada nervo, cada músculo, cada órgão. Era a âncora que a prendia à vida e que estava ali, a sua frente.

O vazio nada mais era que um abismo que precisava aprender a escalar.