Eva encarava Francis… Ela tinha a paz de espírito de quem não possuía nenhum passado. Mas tudo em sua volta soava familiar. Ela quase pôde sentir apego por todas as coisas daquela sala. Nada parecia novo, ela não se sentia descobrindo o mundo. Tudo possuía um nome e Eva sabia o nome de todas coisas. Toda a informação necessária pra que aquela noite acontecesse estava meticulosamente inserida em sua memória.  

 

– Amo… Amor…? – Ela balbuciou.

– Sim, SIM… Exatamente Eva. Até segunda ordem eu sou seu amor. – Eva se inclinou até ele que estava sentado ao seu lado no sofá, e o beijou, tentando acariciar seu rosto. “Agora, podemos ir…”, disse Francis friamente afastando-a com a mão. 

 

Francis a conduziu até o quarto e apertou um botão numa porta. Um closet enorme se abriu. “NOSSAAA!! ISSO PARECE UMA LOJA!”, Eva gritou sem se dar conta de que jamais estivera numa loja antes… jamais sequer estivera vestida. Ela não existia até ontem… Francis era um cientista conceituado. O novo “Pai da Robótica” e Eva não era pra ele, uma grande novidade. Ela a era a sua oitava Eva, e possuía um erro que Francis não conseguia corrigir e estava fadada ao fracasso. Francis quase nunca saía de casa e odiava estar perto de outras pessoas, mas… vez ou outra precisava sair de seu apartamento (onde ficava seu laboratório) e dialogar com outras pessoas… Pessoas específicas e de seu total interesse. Pessoas que possuíam recursos que ele precisava para continuar estudando e criando. 

 

– Que horas será o jantar? – Eva perguntou… – Essa pergunta arrancou um largo sorriso em Francis. “Esse novo modelo quase não precisa de comandos! Ela já sabe tudo que vai fazer… Fantástico!”.

 

– Ué, você não sabe o horário, amor? – Eva parou por alguns segundos olhando pro nada.

– Ah! Sim, sim. Oito e meia. Não é melhor você também se apressar? – Francis concordou e foi se arrumar. 

 

Com quinze minutinhos de atraso o grande nome da ciência mundial entrou no restaurante e todos se levantaram. Um homem se aproximou e tomou gentilmente o casaco de Eva. Os olhares eram indisfarçaveis e Francis se divertia e se deleitava com eles. Sabia o que pensavam… “Como ele consegue?! Essa mulher tão linda? Como eles vivem? O que fazem?!”, as notícias em sites e páginas de fofoca queriam mais… Queriam saber quem era Eva e o que ela fazia? Do que ela gostava? Era tímida demais ou arrogante demais para dar entrevistas? E o cientista excêntrico apenas sorria e acenava… sorria e acenava. Eva roubava a cena com seu vestido decotado e o sorriso mais lindo do mundo… Mas ela não fazia parte do mundo… Ela era um protótipo. Era a oitava Eva. A invenção de Francis tinha uma durabilidade pequena e enquanto ele não conseguisse corrigir esse ponto, jamais divulgaria o “Projeto Eva”. Em todos os encontros Francis levava uma nova Eva e era apenas um teste de durabilidade. 

 

Algumas horas mais tarde estavam no laboratório, sentados um de frente pro outro. Eva chorava e Francis a encarava com emoção, parecendo compartilhar da mesma dor que ela, mas sua emoção era de ver que sua criação conseguia emular sentimentos humanos de forma quase perfeita. “Ela está cada vez melhor!” ele pensava. Ela chorava e ele transbordava de orgulho.  

 

– Desculpa Eva, mas… você vai dormir em… 50 segundos. E você sabe o que tem que fazer… não sabe?

– Sim, sei… meu amor. – Eva tirou toda a roupa e se deitou numa maca.

– Feche os olhos, está quase acabando.

– Você vai me acordar outra vez…?

– Sim. Eu nunca vou desistir de você, Eva.

– Você está com medo da morte…?

– O que é morte?

– Droga.

 

Eva fechou os olhos e desligou. Seus circuitos queimaram logo em seguida, fazendo com que a pele em seu rosto derretesse como uma boneca esquecida no sol.     

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 04/07/2023
Código do texto: T7829281
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