Parada obrigatória (BVIW)
Na excêntrica cidade das Luas, extremo norte do caminho sem fim, Epaminondas - o milionário - mandava e desmandava na pequena população local, de apenas 84 habitantes. O ancião, herdeiro majoritário de todos os bens da família, sabia que todos o obedeceriam, a fim de conseguirem um pedacinho de sua fortuna após sua partida. Foi então que teve uma ideia: instituiu a hora da parada obrigatória! Por ela, a cada vez que soasse o sino da igreja matriz, todos deveriam parar o que estivessem fazendo, imediatamente.
- Vamos dar uma pausa diária - ele insistia.
E assim, evitando contrariar, visando uma cota da herança, os moradores ( todos com certo grau de parentesco ao homem) consentiram com a determinação e, como não sabiam a hora exata da tal pausa, eram surpreendidos nas mais diversas situações:
- Desliga o chuveiro e para o banho!
- Café quente na xícara, mas não pode tomar!
- Último capítulo da novela, mas desliga a TV!
- Hora H no amor, mas esquece...
- Volta pra casa e descanso? Que nada! Parada na estrada ...
E por aí seguia... Pausas aparentemente sem propósito algum, apenas para satisfazer os caprichos do afortunado.
Com o tempo, porém, muitos moradores perceberam que as pausas trouxeram à tona o que, em cidades interioranas era muito comum, mas já vinha se extinguindo: o tempo de prosa, a tal da conversa, do olho no olho, o tete a tete. A cada parada, as pessoas se percebiam, entreolhavam-se, curtiam-se presencialmente e faziam valer a presença como valor. Em sua lápide, Epaminondas deixou: "Vivi tudo o que pude com abastança, mas a grande riqueza, descobri nos instantes de pausa. Não houve vigília a ninguém, há herança a todos, porém, os mais ricos continuarão a pausar".