Sérgio

Sérgio sempre sonhou em sair do Brasil. A pós-graduação era a oportunidade de conhecer pela primeira vez o primeiro mundo e fincar garras no continente que ele considerara a vida inteira como o continente original. Revisando sua vida ao longo da viagem, no avião, já tinha passado pelo mais difícil: nasceu em condição de vulnerabilidade financeira, conseguiu com muito esforço e dedicação conquistar a graduação e o mestrado, e agora finalmente o doutorado e, principalmente, a Europa.

No setor da imigração do aeroporto, Sérgio foi escolhido para uma entrevista. Pensou que o passaporte brasileiro podia o prejudicar naquela situação, mas se acalmou. Um fiscal da imigração de Portugal o pediu para se sentar, com um tom afável.

Com um tom muito calmo, o agente do governo explicou a situação do país. Não lhe cabia essa missão, mas ele acreditava que deveria. Explicou um pouco da história do país, como um pequeno reino medieval se transformou em uma das primeiras potências imperialistas e como essa pretérita potência imperialista foi minguando e se precarizando. O tom não condizia com as palavras e com o que elas significavam, dizendo que o país era miserável e não demonstrando a tristeza disso. Faltavam empregos, as pessoas adoeciam, se entristeciam, sonhos morriam.

Sérgio se perguntava para que tamanho texto. O que tinha isso a ver com o seu processo de imigração, mas não falava nada. Apenas pensava e expunha em seu rosto uma feição leve de descompasso com as palavras do agente. Que finalizou com um argumento técnico que se resumia a um “você será extraditado”, resumindo o que ele deveria fazer, qual avião deveria embarcar, suas proscrições para que não fosse algemado e enviado para uma cela no aeroporto.

A feição de descompasso se transformou em tristeza e indignação. Por que aquilo aconteceria com ele? Afinal, nada errado fez.

O agente de imigração encheu as bocas para falar, palavras que tão certas eram que reproduzidas ipsis litteris.

- Eu sou europeu de um país falido. A minha única fonte de alegria é saber que existem pessoas de lugares ainda mais miseráveis.

[Conto perdedor do 3º Festival Literário de Viçosa - 2023]

Gabriel Figueiredo
Enviado por Gabriel Figueiredo em 03/07/2023
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