A janela do ser
A janela do ônibus era o meu Divã Ontológico. Eu, cá comigo mesmo, indagava as decisões que havia tomado ao longo do tempo. Analisava os meus erros e acertos . Pensava também sobre as tentativas frustradas e sobre as minhas expectativas utópicas. No íntimo, às vezes brigava comigo mesmo, ao se conscientizar das minhas mancadas. Incapaz de admitir as fragilidades. Era nítida a presunção estúpida de achar que era sempre imbatível. Assim, eu engolia o choro e seguia com a personagem que cabia naquele mundinho de hipocrisias . Mas na janela do ônibus, os pensamentos ganhavam um novo rumo, pois estava despida de toda vaidade , e alí, no pico da minha verdade, revisitava lugares e momentos. Cá, no meu interior, reinava a vergonha, ao lembrar de palavras mal ditas e ações impensadas, no entanto , logo, percebia que meu autojulgamento tinha uma certa injustiça, pois julgar o meu eu do passado sob a perspectiva do meu eu presente não fazia sentido. Afinal, foi vivendo que aprendi um pouco sobre a vida. Ao olhar para trás, enxergava o retrato de ingenuidade que com o passar dos anos se revestiu de tolas ambições. Sim, houve uma época da minha vida, em que estava disposta a perseguir a felicidade ferozmente, porém, na ânsia de ser feliz, cegava a minha capacidade de enxergar a alegria dos bons momentos. Assim prendia-me a culpa e ao medo de encarar a realidade. Mas hoje, olhando pela janela do ônibus, vejo que os espinhos da trilha, embora pudessem ter sido evitados, podem ser resignificados como lições no ciclo da existência. Talvez existir não seja o suficiente, é necessário estar disposto a aprender a viver. Ciente que não se trata de uma receita de bolo, ou um projeto infalível, mas um caminho de escolhas e recomeços. Aquela sensação tornava uma simples viagem de ônibus uma jornada de releituras da alma, além do vidro, não haviam somente prédios e engarrafamento. Da janela, via o reflexo do meu ser, em diferentes fases. Teria Heráclito razão ao dizer que ninguém se banha duas vezes no mesmo rio? A imobilidade do eu fazia com que a essência assumisse uma antítese de si mesma, o que confrontava o quadro definitivo que havia pintado sobre mim mesmo. Passei a considerar a hipótese de que era um ser oscilante entre o prazer e o tédio, entre a dor e o amor. Então chutei o balde da tirania do sucesso, que era mesmo um inferno. Abraçava as minhas limitações como um desafio só meu. Não estava mais em jogo ser melhor que o outro, mas ser melhor que ontem. Uma luta interna que perduraria a vida inteira. Chegava a minha estação depois de uma gloriosa reflexão. Os ônibus iam e vinham e as janelas continuavam abrindo a minha visão!