NÃO SOU BOM ESCRITOR
Tocava Charlie Parker no rádio, chovia lá fora e eu estava deitado na velha cama de um hotel meia boca de São Paulo. A fumaça perfumava o ar, fumava alguns cigarros baratos.
Já fazia um tempo que eu não escrevia. Na verdade, eu não escrevia o bastante. Não havia nada de genial ou considerável na minha escrita, ela soava descartável e indigna de lida. Mas havia genuinidade nas palavras, e na intenção de cada texto. Acho que isso é um começo, um sinal verde do destino que eu havia me sujeitado a vivenciar.
Levantei da cama com o cigarro na boca, liguei a TV. Estava passando um show de comédia dos irmãos Chaves. Um dos irmãos falava sobre uma superdroga que deixava o usuário dependente no primeiro uso.
“Os sintomas da droga é: tontura, alucinações e movimentos involuntários. Ou seja, esse não é um drogado sobe efeito, é apenas um mendigo de São Paulo”.
Todos riam e aplaudiam a piada. Não foi ruim, mas já fazia um tempo que eu não ria dessas coisas…. Da vida.
Desliguei a TV e voltei para a velha cama. Na cabeceira havia meu maço de cigarros baratos, um livro de poesias de Charlie Bukowski e uma garrafa de Gim na metade. Peguei a garrafa e dei uma grande golada. Depois acendi um cigarro, e fitei o teto do quarto.
Escutei o telefone grunhir. Atendi.
-Como vai a escrita do Romance?
Olhei para as páginas vazias na mesa.
-Tenho escrito. - Respondi.
-Você conhece Celine? - Perguntara.
-Conheço.
-Ele morreu hoje. Câncer, os médicos disseram. O velho não aguentara.
-Foi um bom escritor. - Disse.
-Espero que não esteja fumando que nem Celine.
Olhei para o cigarro em minha mão.
-Ainda não fumo como Celine. - Respondi.
-O velho fumou mais que você e eu vivera. O velho tinha a casca grossa.
-Foi um bom escritor. - Tornei a dizer.
-Foi um ótimo escritor. Agora está sendo devorado por um punhado de vermes.
-Póstumo.
-Póstuma vida. Acho que ele vai escrever um romance depois de morto. Algo parecido com Machado de Assis.
-Seria um estrondo na literatura. - Disse.
-Acabaria com os leitores. Eles não aguentaria.
-Acabaria comigo se houvesse mais uma garrafa de Gim.
-Acabaria com nós dois. - Respondeu.
-Oh, diabos! - Disse em voz alta.
-Escreva sobre a chuva. - Disse o homem por trás da linha.
-A chuva levou o melhor de nós.
-Chuva vem, chuva vai. Muitas almas sofrendo, cenários hostis.
-Não gosto de chuva. - Respondi.
Falamos um pouco sobre a chuva e o que ela representava. Agora tocava Miles Davis no rádio.
-Vou desligar. Escreva cara. Não fume que nem Celine, não seja devorado por um punhado de vermes.
-Vou seguir o conselho, baby. - Disse.
Bati o telefone. Fui as páginas. As fitei por um tempo. Sem resposta.
Não havia nada de genial ou considerável em mente. Continuei com o cigarro e a garrafa de gim. Não sou bom escritor. Diabos, odeio a chuva.