SESSÃO DAS NOVE (BVIW)

Às nove da noite, uma ruidosa e inquieta plateia esperava pelo início da sessão no Circo Taurus, luxuosamente instalado na Avenida Portugal. Na primeira fila, próximo ao picadeiro, JH não cabia em si de ansiedade. Pela décima vez fora ver o espetáculo. Mas que espetáculo? Ele queria mesmo era ver Tati, a bailarina das alturas. Estava apaixonado. A beleza morena da moça o tinha deixado fora de órbita desde que a vira em seus magistrais voos acrobáticos na noite de estreia. Quando ela entrava em cena com sua malha elástica cor-de-rosa, colada e faiscante, JH sentia o sangue ferver-lhe nas veias. Pura loucura.

O número de Tati era arriscado. A moça tinha um "partner" que fazia diabruras com ela no ar. A performance sugeria certa inocência, mas aos poucos ia ganhando evoluções cada vez mais perigosas. A tensão era quase palpável. Não se ouvia um só ruído. Instintivamente, JH começou a odiar o homem que tinha Tati nas mãos — nas pernas, nos pés, nos braços e nos ombros — no coração, talvez? A esse pensamento, rugia dentro dele um sentimento demoníaco, que adquiria garras, tentáculos e ânsias de trucidamento. Como suportar tanta tortura?

JH tentava manter o sangue frio, mas naquela noite algo saiu do "script": quando Tati planou das alturas, ao tocar o solo, o parceiro de palco pousou em seus lábios platinados um breve, mas insinuante beijo quente —, levando o "respeitável público" ao delírio! JH ensandeceu de vez. Mirou o rival e puxou o gatilho do 38 que tirou do cós da calça. A bala errou o alvo... Atingiu em cheio o peito de Tati. Estupefata, a plateia a viu rodopiar e abruptamente estatelar-se no chão de ripas, uma rosa rubra confundindo-se com o "colant" rosa-choque... Lentamente cerraram-se as cortinas.

Tema da Semana : Fecharam-se as cortinas (conto)