BAÚ DOS SONHOS
Ele teve existência em fases difíceis da vida dela e quando conversavam era o único alento. Contava das mágoas que ninguém sabia. Dizia dos dias de muito sol, dias de chuva, das nuvens, dos chocolates e das bolachinhas. Das lágrimas e das alegrias. Dos moços chatos que a queriam namorar. Contava do lindo vestido novo e do cabelo cortado.
Ele historiava dos projetos para a casa, da lareira que fazia, das ideias loucas para decorar um banheiro, das estufas que construía e mostrava as invencionices para os trabalhos do campo. E ele prometeu que plantaria uma flor só para ela. E quantas tolices mais foram matraqueadas. Coisas sem sentido para sorrir. Misturavam palavras inventadas. Sabiam juntar palavras bobas.
Ela ficava feliz com as brincadeiras pueris, as fotografias ingênuas trocadas, e mostrava até a batata doce que cavava do quintal, do bolo que assava. Ele fotografava seus pratos de comida e ela fotografava o sanduíche da McDonald's que comia escondido. Ela contou das pragas da sua mini horta, pior que as pragas do Egito.
Ele mostrou o seu campo, as suas flores e o seu plantio e a sua colheita e o pôr do sol. Mostrou os tomatões e a batatona doce que assara na lareira. Ele contava dos projetos de vida. E ameaçou fazer um laço para amarrar o pé dela, que tinha a mania de balançar.
Mas veio o dia em que ele ficou sem voz e a esqueceu como o nada. A perdeu do olhar e não teve mais palavras para dizer lá pra longe, bem pra longe, lá pros confins da imaginação. A fez de insignificâncias e de horas vazias. Ela virou só uma bobagem das bestices do tempo.
Ela ainda vasculhou dentro dos espaços das lembranças, mas percebeu que ele nunca existira verdadeiramente, que o criara como os amigos ocultos da infância, por companhia das emoções.
Ele era só imaginação.