UM PASSEIO DEPRIMENTE
Estava deprimido e resolvi sair. Pus meus pés sobre a rua, sentir o bairro. Então dei meus primeiros passos rumo ao nada. Três caras sentando na calçada me cumprimentaram, retribuir o gesto. Eu era um cara gentil. Decidir ir para a praça, ficar olhando para nada e pensar em nada. Naquele bairro acontecia cada coisa que seria loucura dizer em palavras. Um bairro louco. Com pessoas loucas.
Sentei sobre o banco pinchado até os dentes. Estava puto, pensando nas palavras. São muitas, muitas palavras. Palavras até os dentes. Malditas palavras, tinha que conhecer as palavras. Mas eram muitas, e eu tinha de conhecer para escrever melhor. Malditas sejam as palavras, maldita seja a sintaxe. Escrever era bom, mas dava nos nervos. Não escrevia uma história já fazia um tempo, na verdade não conseguia escrever nenhuma história.
Não se passava nada de interessante, genial ou considerável na minha cabeça. Uma mente vazia, sem nada. Maldita seja ela. Maldita seja as palavras.
No banco havia uma frase pinchada: “Masturbe o cérebro e goze ideias”. Fiquei puto com aquilo. Agora eu estava puto com três coisas. Então percebi que estava pensando em algo ao invés de nada, havia traído minha própria premissa. Vim para praça para pensar em nada e lá estava eu, pensando em palavras, na frase pichada e na minha mente vazia. Porra. Havia falhado comigo mesmo, havia falhado com todos. Eu estava ferrado, estava triste, tentando disfarçar a tristeza me ausentando de tudo. Porra. Maldito seja esse momento, essa fase de merda. Quero minha criatividade de volta, meu eu artista que me salva da minha própria imponência. Chaves, seu imbecil. Onde errou para acabar assim? Você não escreve bem, pois não tem ideias. Você nem consegue escrever algo respeitável. Você não pensa o suficiente e se pensa, não tem capacidade de chegar tão longe. Onde pensa que vai chegar assim?
Decidir sair daquela praça, decidir caminhar. Desci a rua, havia patos andando em fileira. Passei os patos, deixei eles no chinelo, eles jamais poderiam me alcançar. Foda-se os patos. São muito lerdos. Me imaginei dando o dedo do meio para os patos, eles ficariam putos. Com suas autoestimas e orgulhos feridos. Iriam atrás de mim, e eu correria. Não sou páreo aos patos. Bicos fortes, me machucariam facilmente. Eu passaria vergonha, por deixar os patos putos e aborrecidos. E agora recebia o que merecia.
Cheguei a quadra, sentei sobre arquibancada. Havia outra frase: “Malandro é aquele que estuda”. Ignorei aquilo e agora havia uma criança. Invadiu a quadra com sua bicicleta, dando voltas de lá para cá. Dando empinadas, freadas ferozes e mais empinadas. Me olhou e deu um joinhia, retribuir o gesto. Então o garoto foi embora e agora eu estava sozinho. Sozinho comigo mesmo, fardado e amaldiçoado a viver comigo mesmo. Para o resto da vida. Estava deprimido e tentava disfarçar aquilo, mas não dava certo.