Momentos noturnos

Em uma das piores fases da minha vida, uma das coisas que eu mais temia era o momento em que antecedia o anoitecer. Foi uma fase que não gosto de relembrar, uma época na qual eu não somente tive que conviver com a traição como também ver o meu marido apaixonado, de cabeça virada por outra mulher. Eu estava com 23 anos de idade e tinha 3 crianças pequenas – de 3 anos, de 2 anos e de 8 meses – e não tinha emprego. Eu estava destruída e não tinha o que fazer, não tinha para onde ir e precisei esquecer meus sentimentos e afundar o meu orgulho. Ele foi bárbaro, desumano porque sabia que em circunstância alguma eu me separaria dos meus filhos, então ele abusou da minha fragilidade. Foi dolorido, foi cruel saber que eu era invisível, dispensável. Eu era nada. Pelo tempo que durou a sua paixão, os meus dias se arrastavam na mesmice incerteza de ansiosa espera.

As tardes silenciosas adormeciam escondendo o Sol entre nuvens redesenhadas pela magia de intensos raios dourados que me inspiravam nostalgia. Era sempre o prenúncio da chegada de mais uma noite solitária e fria que vinha me trazer medo e melancolia, calar minha voz e embeber os sentimentos.

A cada anoitecer já antevia a madrugada adentrando e me abarrotando de escuras emoções, ansiedade, provocando a sensação de aflição, de traições que logo mais realizar-se-iam. Por mais que eu tentasse não conseguia afastar o intenso conflito emocional que me abatia. Mesmo tentando evitar os possíveis atritos e confusões, eu nada podia fazer contra o turbilhão de emoções que me invadiam quando me sentia solitária em mais uma noite de tediosa expectativa.

Às vezes sentava-me na calçada olhando a rua deserta esperando as horas que lentamente se arrastavam ou ficava em minha cama olhando os meus filhos que dormiam inocentemente, desconhecendo a confusão emocional que me sufocava nas noites silentes enquanto o tic-tac do relógio machucava o meu coração.

Que coisa horrível! Pulsava em meu peito um coração dolorido, já irremediavelmente ferido. Travava-se em minha mente um diálogo manifestando o inconfessável desejo de dominar a frustração de uma vida reprimida, o anseio de cessar a violência emocional que explodia e arrebentava o meu indefeso coração.

Por fim chegou o momento que eu disse chega! Eu sei o tempo exato, mas eu quero fingir que não o contei tão religiosamente. Eu comecei uma fase que chamei de “redesenhando a tortura”. Havia chegado ao fundo do poço, mas lá não mais queria estar. Mas havia tantas perguntas que eu me fazia a cada dia, mas não encontrava as respostas que eu queria.

Por que devo realimentar as ilusões, se são todas tão banais?

Por que devo agonizar em desesperança na sensação de perecer o sonho da paz?

Por que tantas vezes me consumir solitária e triste numa enxurrada de dúvidas, de dores, de angústias?

Por que devo morrer tantas vezes de amor, sabendo que o fogo da paixão amornou, arrefeceu ou se apagou?

Mas o ardor da paixão sempre se abranda, e tantas vezes reacende-se delineando um arremedo de amor quase imortal.

Então eu tive que aprender a não me torturar, mas careci de me evadir dos labirintos esconsos e precisei talhar a sangria das fartas lágrimas. Necessitei dar um basta ao amor silencioso e encarar o não como o sim de eterna alegria reinventada. Dar a chance a uma renovada esperança para se viver um ir numa estrada sem fim. Sim um ir sem retorno até o fim.

Entendi que precisava fazer uma pausa em minhas emoções. A vida requer essas paradas. Há momentos em que os intervalos são necessários. Nada é perene em todas as estações, então eu me dei um tempo para me reabastecer e me reerguer. Acho que funcionou porque estou aqui relatando a minha história e tudo o que espero é que não me julguem.

Umbelina Marçal Gadelha

Do meu livro de memórias

Umbelarte
Enviado por Umbelarte em 24/06/2023
Código do texto: T7821427
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