“MARIA MAZELA: A COMPANHEIRA”

 

Aquela mulher… Chamada Maria Mazela. Aquela que foi enumeras vezes estuprada e espancada, dentro de sua própria casa; tantas e tantas e tantas vezes. Uma violência que aumentava a cada nova violência… E isto não conta quase nada da história que quero lhes contar.

 

Ela tinha sido maltratada exatamente 999 vezes em 10 anos. E fazia questão de contar. A cada surra que levava de seu marido e malfeitor… Após cada absurdo que sofria, Maria entrava no cemitério contando seus ferimentos, enquanto arrancava um matinho que por ali crescia, guardando na bolsa. “De tanto que apanhou… Ficou maluca.” diziam as más-línguas. “Novecentas e quarenta e quatro. Eu aqui…”, ela dizia. E então, se debruçava no túmulo de qualquer outra mulher e chorava… “Novecentas e cinquenta e três. Eu aqui…”. Dizia todas as vezes, arrancando um mato e se debruçando numa cruz de alguém. Lamentava seus ossos doídos… Muitas vezes quebrados. Olhos roxos e tufos de cabelo faltando. Maus-tratos… roupas que mal a protegiam de mosquitos. Aparência raquítica, íris perdida no tempo… autoestima quase nula. Tornara-se uma devaneadora… uma moradora da lua e das estrelas. Planejadora da tão sonhada fuga que nunca chegava…

 

Quando afinal a violência de número MIL chegou, Maria Mazela se arrastou até o cemitério, e chegando lá, cortou os próprios pulsos, deitando-se de braços abertos em forma de cruz, na grama do cemitério. Foi encontrada com olhos de quem estava…Parecia estar…PRESTES a sorrir. Aqueles olhos de quem acaba de acordar e encontra um belíssimo céu azul. Olhos de quem vê um primogênito gargalhar pela primeira vez. – “Veja o brilho destes olhos…!! São olhos de quem encontrou o mar…” – Disse o coveiro quando a encontrou morta, no chão.

 

Anos após a tragédia ainda se pode escutar no hospital (que fica bem ao lado do cemitério)… A voz e os lamentos de Maria Mazela. Mulheres internadas – principalmente os casos mais graves e as vezes alguns médicos e enfermeiros (apavorados) a ouvem também; Sua voz era descrita como “doce e ao mesmo tempo muito assustadora…”. Era algo que atingia lentamente os ouvidos dos vivos, fazendo-os desfalecer sentados… amolecidos por uma enorme tristeza e um medo sem explicação. Porém, aquelas que estavam quase morrendo, jamais se sentiam assim. Tinham um olhar parecido com dela… Por isso, podiam vê-la com total nitidez. A viam de branco, caminhando por todos os lados do hospital. Conversavam com ela… E sua voz as acalmava. Ela deixava um matinho ao pé da cama de cada uma delas, dizendo em seguida: “Nós aqui não estamos sozinhas, amém…”…

 

– “AMÉM!” – Respondiam as moribundas antes de falecer.

 

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 24/06/2023
Código do texto: T7820915
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