MADAME (BVIW)
A última cliente saiu, e Madame Natasha sorriu satisfeita. Juntou as cédulas sobre a mesa, guardou tudo no fundo da bolsa. A féria do dia tinha sido boa. Mas ela merecia: de amores desfeitos, dívidas e traições, e até enfermidades sem cura, ninguém saía de seu modesto quartinho, nos fundos da pensão “Boa Sorte”, sem uma resposta para seus dilemas.
Madame começou a se desmontar. Tirou a basta peruca cacheada, os longos cílios postiços, as lentes coloridas, a maquiagem. Desvencilhou-se dos penduricalhos que lhe ornavam orelhas, pescoço, braços e dedos. Por fim, trocou a túnica bordada por um inocente jeans desbotado e uma despretensiosa camisa branca. Em frente ao espelho, admitiu: nem ela mesma se reconhecia sem o figurino de trabalho. Nascera para adivinhar... E para ganhar dinheiro, muito dinheiro: uma segunda conta mantida secretamente no banco não a deixava mentir.
Às nove da noite, Madame Natasha, ou melhor, Maria Constância Maravilhas de Melo Brandão, esposa de Álvaro Brandão, o deputado mais bem votado do estado, saltou de um luxuoso carro preto em frente a um grande salão de eventos, em Taguatinga. Ao lado do marido, ela se mantinha ereta e circunspecta. De mãos dadas, o casal seguiu sob os olhares admirados de uma plateia alvoroçada. No bolso do paletó do parlamentar, as mais de cinco páginas do discurso que ele faria naquela noite — boa parte dele de combate ao charlatanismo que explorava a boa fé do povo. Álvaro Brandão pretendia, inclusive, anunciar a investigação que iniciaria contra certa Madame Natasha, vidente impostora, que mantinha práticas enganosas ali nas imediações. Em breve, todos saberiam o que havia por trás das cartas.
Tema da Semana: Por trás das cartas (conto)