Yuri Rodrigues - Por um fio
Ali estava ele, de frente para mim, com uma concentração jamais vista antes, utilizando toda a habilidade que adquiriu com os anos. E eu? Estive o observando durante toda a sua trajetória, juntos há 5 anos, desde quando ele me trouxe para cá. De lá, até os dias atuais, já fui grande e pequeno, mudei de aparência e o meu interior também, me moldando para que ele se sentisse satisfeito e me amasse por completo.
Infelizmente, estive sempre no mesmo lugar, preso. Nunca tive a oportunidade de saber como era lá fora, nem mesmo os outros cômodos. Eu gostaria de saber como a casa se parecia. Passo todos os dias dormindo de dia e acordado à noite, com ele. Fico o tempo todo sozinho com um único pensamento: “Ele vai demorar para chegar?”.
Tudo estava bem, era mais uma noite regular. Ele estava usando suas mãos macias em mim, tocando cada parte do meu corpo. Ah, ele cuida tão bem de mim! Mas nesse dia, sua mãe veio confrontá-lo. Eu nunca a tinha visto aqui dentro; no máximo, por uma fresta da porta quando ela trazia comida.
- De novo você está aí? Eu já cansei de conversar com o seu pai, mas ele não faz nada a respeito!
Visivelmente cansada e furiosa, ela se vira para mim e me xinga, como se eu fosse responder; como se ela não soubesse que eu não tenho a opção de ir embora.
- Você estragou a vida do meu filho! Eu te odeio! Antes de você ele falava comigo, e hoje parece que eu não existo mais na vida dele. Parece que não existe mais nada além de você!
No seu limite atingido, ela se atira para mim, gritando:
- Já basta!
Ela me empurrou brutalmente, me atirando no chão, fazendo com que algumas partes minhas se machucassem, se quebrassem. Sua mãe, enfurecida, me chutou. Ela parecia sentir prazer em me ver partindo, soltando alguns ruídos, inaudíveis diante dos seus gritos. Você gritava pedindo que ela parasse, você pedia por mim.
Sua mãe, enfurecida, te bateu. Já do chão, vi você sendo atingido uma e outra vez, com tapas, pés e palavras. Acho que ela não entendia que não era sua culpa; ela não tinha esse direito. Ela não entendia o poder que eu tinha sobre você. No fim, éramos reféns um do outro.
Eu não podia tolerar vê-la te machucando. De repente, eu me ergo, me sustentando nos meus frágeis pedaços quebrados e a encaro. O medo nos olhos dela se instaura, nunca a vi assim antes, na verdade, nunca vi ninguém com medo antes.
- Para mim também! – Digo em um grito, que nem eu mesmo sabia que poderia dar.
Atiro, então, meus fios sobre ela, cada um deles rastejando como uma serpente e entrando em seu corpo por cada cavidade. Uma vez dentro dela, eu a dominava.
Eu já estava por um fio.