Pietra Crosazzo Colangelo Bertas - Qual é o preço de um sonho?
15 de fevereiro de 1814, Londres.
Olhando para o grande espelho com moldura de madeira à minha frente, mal de reconheço. Uso um vestido branco como uma algema e um coração congelado pelo frio cortante do inverno. Pois é, poderia ser um dia normal, mas este céu nublado da cidade em movimento me deixa assustada e vencida.
O dia do casamento de uma mulher deveria ser uma felicidade, mas me encontro transtornada. Olho pela grande janela da pequena casa, desejando estar em qualquer outro lugar agora; mamãe, carinhosa como sempre, fala todos os motivos para isso estar acontecendo:
"Você foi rebelde demais, aceite as consequências" - fala distraída nos laços de meu vestido - "Onde já se viu uma mulher escrever como um homem? E aquelas histórias de fadas e árvores falantes? Tem sorte de seu pai não lhe mandar para um hospício!".
Eu continuava quieta, com uma crescente dor de cabeça desde quando acordei. Meus olhos perdidos nas gotas da chuva lá fora vão para a minha escrivaninha, vejo alguns papéis em branco e meu tinteiro e o peso no meu coração aumenta. Hoje seria uma tarde de inspiração para mim, para meu outro nome, dia de criação. Mas a única coisa que será criada hoje aqui será minha prisão. Agora está na hora de ir, caminhar para meu futuro triste. Com medo, peço a minha mãe:
"Posso ter um tempo sozinha?" – Ela me olha com olhos compreensivos e, sem dizer mais nada, larga os detalhes do vestido e sai, me deixando só em meu silêncio barulhento.
Não me reconheço tão quieta, costumava correr por esses corredores atrás de coisas que só eu via ... personagens que eu criava no meu sucesso anônimo... eram alegrias infantis para uma mulher como eu. Dou um passo para fora do meu quarto, olho o corredor e não vejo ninguém; e assim, com passos leves como os de uma bailarina, vou até minha fuga. Bom, pelo menos minha imaginação achava que isso seria possível, que tola.
A sala está uma bagunça, minha bagunça. Levo meus dedos aos cadernos completos e incompletos, livros de Shakespeare e outros escritores. Homens, a maioria.
O silêncio se faz presente, mas sei que daqui a alguns instantes estarão gritando meu nome. Pego uma de minhas primeiras obras e começo a sentir meus olhos arderem, finalmente soltando o choro há horas contido. Uma pessoa não deveria abandonar os seus sonhos para realizar os dos outros, isso pode ser egoísta da minha parte, mas é tão errado querer ser livre?
“Daria tudo para ir embora, viver a realidade que eu acho melhor”. – Digo com olhos de lágrimas, com o livro na minha mão, ele me encara de volta, e outra vez o silêncio reina.
De frente para a prateleira de mundos, escuto uma risada de menina, depois cavalgadas do exército de algum reino, presos dentro de tinta e papel. Nada é real aqui, são apenas o resultado da minha fértil imaginação.
“Amélia! Já está pronta?” – mamãe grita lá de baixo, me interrompendo dos barulhos da minha mente.
Limpo as lágrimas rebeldes, para que aquele duque não duvide de minha felicidade. Levanto e tento abrir a porta que está trancada, mas a chave já não estava em meu bolso.
Sou surpreendida com uma rajada de vento que joga meus cabelos em meus olhos; mas como está ventando tanto aqui, sendo que as janelas estão fechadas para o mundo lá fora? Ainda tentando racionalizar isso, vejo as folhas com rascunhos começando a dançar no ar, enquanto o som das cavalgadas fica mais forte, e as risadas vindas dos livros começam a virar frases:
“Amélia! Amélia! Fuja agora!” – as vozes me falam. Minha dor de cabeça piora e me encosto na porta de madeira. Olho os livros nas prateleiras à procura da chave de ferro, imagino tê-la deixado lá distraída quando entrei.
“Amélia, fique calma, você não está sozinha, estamos te ajudando!” – A cada palavra a dor aumenta, e quando tento forçar a maçaneta para sair, minhas mãos no ferro queimam. Vejo, agora, a grande porta de madeira se abrindo, mas no lugar do familiar corredor, só há o escuro. E como se eu fosse uma fada dos meus livros, caio numa infinita escuridão.
De repente sinto o sol aquecendo a minha pele clara; embaixo do meu corpo, sinto a terra molhada e minhas mãos, vermelhas da queimadura recente, estão apertando a grama. Percebo, então, que estou em uma floresta calma; fico confusa, sem entender nada.
Me sento num pulo, sem me preocupar em sujar minha saia branca, pensando que nada daquilo poderia ser real. Como uma maçaneta, que eu já havia tocada centenas de vezes, poderia me queimar? Onde estava a porta? Aliás, ONDE eu estou? Assim, com a mente irritada, sinto o chão se movimento e, para meu espanto, vejo diversas raízes saindo da terra vindo até mim.
“Você deve ter muitas perguntas, não é mesmo, Amélia Jack?” – Diz a voz forte que emana de uma das árvores.
Quando eu, tentando me recuperar desse último choque, articulo uma resposta, ouço a porta de madeira batendo, acompanhada da voz da minha irmãzinha gritando, aparentemente tentando me tirar daquele transe.
Embora eu a reconhecesse, sentisse a urgência das suas palavras e, em alguma medida, entendesse a necessidade de voltar; a escolha entre a vida real com o duque, ou com as minhas histórias fantasiosas na minha mente, era óbvia. Afinal, qual é o preço de um sonho?