O Pesadelo
Houve um dia vida em que acordei decidido em escrever um livro. Acontece que minha profissão não é de escritor e sim apagador de nuvens.
Depois de me arrumar e comer algo fui para a praça central da cidade. O céu estava repleto de nuvens e o dono de uma loja veio me pagar de forma antecipada. Não quero saber de chuvas! Mande essas nuvens para lá – dizia ele. Então comecei a movimentar minha mão como se desse tchau e as nuvens iam sendo apagadas com meu movimento. Eu sabia que não podia apagar todas, pois a chuva não poderia ser evitada.
Depois de apagar algumas e empurrar outras, sentei-me no banco. Momentos depois apareceu uma moça.
_ Para quem você estava dando tchau? Eu te vi de longe. Por acaso conhece os pássaros?
_ Até conheço alguns. Às vezes eles me dão uns toques para onde mandar as nuvens, mas não, não estava dando tchau para eles.
_ Que talento interessante você tem! Manusear as nuvens!
_ Você quer viver uma história comigo?
_ Nossa, como você é rápido! A gente nem se conhece.
Eu tive que explicar para a mocinha que se chama Pétala de Ametista, da minha ideia de viver um livro. O nosso encontro seria o primeiro de muitos capítulos, mas Pétala estava resistente e talvez a minha história poderia não dar certo ou eu deveria escolher outra personagem. Com muita insistência a convenci a participar, embora ela disse que não poderia ficar até o fim da história. E o que eu falo agora? – perguntou.
_ Como assim?
_ Ué, não estamos vivendo uma história? Qual a próxima ação? – perguntou Pétala.
Eu pedi para Pétala esperar ali, voltaria depois e daria a resposta para ela. Fui para meu apartamento e pensei em tantas possibilidades. O que ela iria dizer para fazer parte da história?
_ Vamos para outra cidade?
_ Esta história tem que acontecer aqui?
_ Vamos nos casar?
_ Eu estou triste ou feliz de estar ao seu lado?
_ Será que minha presença vai afetar seu poder com as nuvens?
_ Que saudade de vocês, por que demorou tanto?
Na verdade, fiquei umas duas horas pensando e o pior: não escrevi nada do que pensei. Acho que vou deixar para ela escolher qual fala dizer. Saí do apartamento e fui para a praça central. Aproximando-me do banco a vi de longe, mas ela parecia meio cinzenta. Comecei a me assustar com o que estava prestes a ver.
Uma estátua! Como assim virou uma estátua?
_ Um caminhão betoneira derrubou de forma acidental o cimento. Na hora ninguém viu e era cimento de secagem rápida – disse alguém que tinha visto tudo, mas não fez nada pois estava no telefone.
_ Alguém me empresta algo que possa quebrar isto e ver o que aconteceu?
Começaram a dar marretadas nas pernas e braços. A forma de cimento começou a quebrar e o que saiu de dentro foram pétalas de flores e pedras de ametista. Que isso!
Acordei assustado! Levantei suado! Tinha sido um sonho e que sonho! Nunca mais vou pensar em escrever um livro! A minha vida é ser revisor, revisor, revisor e nada mais do que um bom revisor de livros!
23/05/23