A vida como ela seria

Noite de sábado, 20 h. Embora o céu estivesse escandalosamente estrelado e a lua cheia convidativa para sar e se divertir, preferiu ficar em casa e conversar virtualmente com a moça que conhecera num site de relacionamento. Sabia pouco sobre ela, por isso, marcaram essa conversa virtual por e-mail. Apesar de ter insistido para que trocassem mensagens por WhatsApp, ela foi contundente no seu não. Argumentara que, depois de um tempo se conhecendo, se fosse o caso, iriam para essa etapa. Ele concordou. Não custava tentar! Após um relacionamento com térmimo nada amigável e alguns meses de sua vida mergulhado em encontros casuais, estava disposto a tentar um relacionamento sério.

Mal abriu seu e-mail e lá estava a mensagem que dizia "Está atrasado!" Ele sorriu e respondeu

"E você está adiantada!" A conversa prolongou-se até às 22h, tempo suficiente para que soubessem um pouco mais um sobre o outro. Despediram-se, desligaram o notebook, mas continuaram imóveis, olhando para a tela, perdidos em seus pensamentos.

Depois, ele pegou o celular e abriu o Face. Entrou na página da ex-noiva e viu as fotos de seu casamento postadas com uma felicidade que não poderia ser contestada. Por um milésimo de segundo pensou "Eu deveria ser o noivo!" Mas, como não era de chorar pelo leite derramado, desligou o celular e foi dormir.

Enquanto isso, a moça, após a conversa por email, olhou alguns instantes para a tela desligada do notebook e ,em seguida , foi até um móvel antigo, abriu a gaveta e pegou seu álbum de casamento. A cada foto vista, a cada página virada, seu peito se enchia de recordações . Era uma mistura de sentimentos, alguns bons, outros ruins, mas o que prevalecia era saudade. Foi até à cozinha, bebeu um copo d'água, depois dirigiu-se ao quarto do filho para ter certeza de que estava tudo bem. Após certificar-se de que ele dormia como um anjo, foi ao seu quarto entregar-se aos braços de Morfeu.

A semana foi passando e a troca de e-mails acontecia com intervalos cada vez menores. Descobriam afinidades, coincidências e um sem número de outras coisas que os aproximava. Não sabiam o nome um do outro, nem a aparência. Começaram a jogar esse jogo e gostaram. Para ambos, era importante conectar-se de verdade com o outro, sem referências visuais que , por enquanto, estavam relegadas a segundo plano.

Era notório que se encantavam

progressivamente um pelo outro.

Não se poderia dizer que se amavam ou que estavam apaixonados. Era de fato encantamento recíproco, embora as palavras amor e paixão não estivessem descartadas do vocabulário de ambos.

Cerca de um mês se passou e o mesmo jogo continuava sendo jogado, até que, em comum acordo, chegaram à conclusão de que deveriam partir para a próxima etapa e marcarem um encontro. Combinaram dia, horário e local.

Chegou o dia marcadoo! Pareciam dois adolescentes nas primeiras descobertas do coração A expectativa do encontro tomou conta do pensamento deles o dia inteiro. Ele sugeriu um restaurante aconchegante nas proximidades do bairro que ela indicara como seu endereço. Sendo um cavalheiro, não queria obrigá-la a dirigir-se a um local muito distante de casa. Como nunca haviam se visto, optaram por não fazer uma autodescrição e ter um encontro às escuras, dando apenas algumas pistas de como estariam vestidos.

Às 20 horas, ela chegou ao restaurante e, na primeira passada de olhos pelo local, identificou o interlocutor de seus e-mails. Aproximou-se da mesa e ouviu:"Está atrasada!" Ela sorriu e respondeu; "Você é que está adiantado!" Riram, enquanto ele puxava a cadeira para que ela se acomodasse.

A noite transcorreu tranquilamente, entre sorrisos, risos , conversas agradáveis regadas a um jantar delicioso e um vinho especial. Enquanto conversavam, pensavam que as expectativas criadas estavam sendo superadas em todos os sentidos. Nenhum deles esperava uma estrela de cinema, nem um gênio da ciência, nem o humorista do século. Bastava alguém com uma aparência minimamente atraente, com quem se pudesse conversar sobre assuntos diversos e tivesse senso de humor. Mas haviam encontrado mais do que isso. Não sabiam explicar direito, mas é como se tivessem se reconhecido.

Envolveram-se tanto nas conversas que não observaram que a maioria dos clientes já havia ido embora. Quando perceberam, ele chamou o garçom, pagou a conta e saíram do restaurante com a sensação de que aquele havia sido o melhor encontro de suas vidas.

Ela recusou que ele a acompanhasse até em casa, alegando que caso essa etapa viesse a acontecer, seria depois, bem depois. Enquanto dizia isso, pegou o celular para pedir um carro de aplicativo. O veículo chegaria em 2 minutos.

Enquanto esperavam, deram-se conta de que se trataram a noite inteira pelos seus nicks do site de relacionamento. Então, decidiram se apresentar formalmente. "Muito prazer! Marina Alves".

O carro do aplicativo chegou.

"Muito prazer, Marina! Meu nome é Roberto. Roberto Rocha!"

O semblante de dia ensolarado transformou-se em noite nublada em fração de segundo. "Mas que brincadeira sem graça é essa?" Sem entender o que estava acontecendo, ele tenta dizer algo, mas o motorista do aplicativo pergunta rispidamente se ela vai ou não. "Já vou. Não tenho mais nada a fazer neste lugar. ". E entrou no veículo, que saiu rapidamente. Enquanto isso, ele olhava estupefato o carro dobrar na esquina e sair de seu campo de visão.

Seguiu sem dizer palavra no percurso do restaurante até sua casa. Mas os pensamentos fervilhavam em sua mente . "Esta noite estava perfeita demais. Devia ter desconfiado que havia algo errado!" Quanto mais pensava, menos entendia como aquele homem havia descoberto o nome de seu esposo falecido. Mas, isso ainda não era o mais importante. "Como ele pudera brincar com isso? Brincar com seus sentimentos, envolvê-la pacientemente , fazendo-lhe acreditar que tinham tantas afinidades? Que tipo de pessoa é capaz de algo tão cruel?"

Enquanto isso, no tempo em que esperava o carro de aplicativo que iria levá-lo de volta a sua residência, ele pensava naquela mulher com quem tivera um encontro maravilhoso, mas, que, ao final, agiu de forma estranha. "Será que ela inventou isso para não precisar dar uma desculpa para não nos vermos mais? Ou será que é louca? Tenho certeza de que fui um gentleman e não fiz nem disse nada que a magoasse ou ofendesse... Vai saber o que se passa na cabeça das mulheres. E o pior é que você tem que adivinhar porque elas ficam bravas e não dizem o porquê ".

Ela chegou em casa visivelmente irritada (se é que a palavra irritada traduzia o que ela estava sentindo). A madrinha de Bebeto estava na sala assistindo à TV enquanto o menino dormia em seu quarto. A comadre dera a maior força para o encontro, oferecendo-se, inclusive para tomar conta do afilhado enquanto a mãe estava fora. "E então? Como foi o encontro com o príncipe?". Olhou a comadre com um visível cansaço e sinais incontestáveis de decepção. "O príncipe era um sapo!".

Bem longe dali, ele chegara ao seu apartamento, ainda confuso com os acontecimentos daquela noite. "Tudo pareceu tão mágico, tão perfeito. Afinal, o que dera errado? Seria essa sua sina? Sempre que as coisas estavam funcionando em sua vida , vinha o destino e lhe dava uma rasteira?"

Dia seguinte. Após uma noite terrivelmente mal dormida, ligou o notebook e abriu seu e-mail. Nada!

Enquanto isso, do outro lado da cidade, alguém repetia a mesma cena sem sucesso!

"Melhor assim", disse após um longo e profundo suspiro!

Ane Rose
Enviado por Ane Rose em 25/05/2023
Reeditado em 26/05/2023
Código do texto: T7797299
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