O estranho talento de Gideon Argov
O paletó azul escuro estava numa cadeira no canto do aposento. As mangas da camisa roxa estavam arregaçadas e algumas manchas estavam espalhadas em sua roupa. Trazia numa mão a paleta com cores e na outra um pincel Giotto Taklon Redondo Série 500 N° 0.
Sobre dois cavaletes de carvalho estava La maja desnuda de Francisco de Goya. Argov estava concentrado em seu trabalho. O trompete de Chet Baker tocava baixo quebrando o silêncio do estúdio.
O toque do pincel sobre os pelos do púbis da moça era deligados, o sorriso discreto parecia direcionado para ele. Uma forma de ela responder ao toque delicado em sua área sensível.
Argov tinha uma mente e inteligência diferente. Seu cérebro não parava. Por isso ele traía a bela moça da tela. Não dedicava atenção total ao trabalho de restaurar.
Aprendeu uma técnica chamada palácio mental onde corriam outros assuntos. Milhares de gavetas estavam abertas. Uma dela era a técnica de pintura e estilo de Goya e em outros cálculos e raciocínios para decifrar. Essa técnica era uma forma que tinha de sua mente eidética armazenar e organizar informações.
Quem o visse poderia achar que estava em total dedicação ao restauro. Um engano com certeza.
Gideon Argov trabalhava assim. Talvez fosse o único no mundo que poderia dedicar o pensamento a várias coisas ao mesmo tempo. Em dez horas ele havia terminado o restauro e cobria a pintura com uma cuidadosa pincelada de verniz, também havia terminado de resolver um complexo problema de cálculos sobre uma tecnologia de outro mundo e também terminado de resolver uma antiga inscrição em acadiano encontrada em um canto esquecido do Iraque.
Wesley Rezende