O deus na rapariga
«Pede um desejo», disse um deus a um rapazinho de catorze anos.
«Não tenho desejos,», respondeu o rapazinho. «Melhores acções farias se, neste momento, estivesses a satisfazer as vontades de outras pessoas mais necessitadas do que eu.»
O deus desapareceu do mesmo modo que apareceu. Quinze minutos depois, ainda a pensar que tinha uma falado com uma entidade superior, o rapaz não caía em si de contente. Comunicara com uma entidade divina, com um deus, com um patrono dos homens. De repente, após milénios de procura e de desilusão, uma pequena criança conseguia chegar ao conhecimento de algo da maior importância: a morte era só uma passagem, um degrau.
«Um desejo. Pediu-me um desejo. Que desejo poderia um pequeno homem pedir? Amor? Não tenho idade para amar. Dinheiro? Não tenho idade para ser rico. Felicidade? Ainda nem o significado dessa palavra conheço.»
Com estes pensamentos em mente, a criança sentia-se bem por não ter sido egoísta, por não ter pedido coisas que não poderiam nunca ter utilidade prática no mundo.
«Dás-me rebuçados?»
Não poderia gastar um serviço dos deuses em futilidades que nem aqui nem em Marte levariam a lado algum. Porém, à medida que o seu raciocínio aumentava, uma certa ponta de malícia lhe crescia nos olhos.
«Poderia ter pedido uma tonelada de barras de oiro.»
As unhas do menino iam-se enfiando cada vez mais por entre os dentes. O nervosismo estava a tornar-se no seu principal indício de distorção comportamental. Às tantas, o rapaz já não sabia em que pensar. Partiu um copo com um safanão. Deu um pontapé numa cadeira de alumínio. Feriu a canela da perna direita. Começou a chorar. Por que razão um deus, que apenas se deveria ocupar dos assuntos celestes, aparecia a uma criança e, pior, lhe concedia um desejo? Em certas idades, o ser humano não tem capacidade para entender que o homem não é bom o suficiente, ao ponto de recusar uma oferta grandiosa. Notava-se claramente que o menino estava mais do que arrependido por ter rejeitado a proposta do deus. Mas como voltar atrás e pedir um desejo? Como falar com um deus?
«Olha, santíssimo, volta que me arrependo profundamente por tudo aquilo que fiz.»
Não pode ser. Uma escolha tem sempre graves implicações, mesmo que não pareça. Escolhes renunciar a um desejo dos céus, sujeitas-te a perder o mundo. Se assim não fosse, se pudéssemos escolher, recusar, e depois voltar atrás com a palavra, não haveria esta importante palavra chamada sociedade.
A criança não voltou a ver o deus.
Do outro lado do bairro, uma menina, que há meses sofria pelo rapaz, que, por sua vez, sofria com a ausência do deus, recebia uma simpática visita. Um deus.
«Escolhe um desejo.»
«Desejo que o rapaz que amo sofra para toda a sua vida.»