A MÃE REVOLUCIONÁRIA

A MÃE REVOLUCIONÁRIA

Eu nunca imaginei que minha mãe fosse uma revolucionária. Sempre foi uma mulher pacata e religiosa, que cuidava da casa e dos filhos com dedicação e amor. Nunca se interessou por política nem por questões sociais. Só queria viver em paz e harmonia.

Mas tudo um dia mudou. Nesse dia, o Brasil foi sacudido por uma tentativa de golpe de Estado para depor o presidente.

Eu não sabia muito bem o que estava acontecendo, mas percebi que havia uma grande agitação nas ruas. Vi pessoas correndo, gritando, atirando, queimando pneus e bandeiras. Vi soldados marchando, tanques avançando, aviões sobrevoando. Vi fumaça, fogo, sangue.

Eu tinha medo e curiosidade ao mesmo tempo. Queria saber o que significava aquilo tudo, quem eram os bons e os maus, quem estava certo e quem estava errado. Perguntava a minha mãe, mas ela não me respondia. Só me mandava ficar quieto e dentro de casa.

Eu obedecia a minha mãe, mas não deixava de espiar pela janela. Via as cenas de violência e confusão se repetindo dia após dia. As notícias nos jornais e nos rádios se contradizendo e se acusando. Os vizinhos se dividindo e se enfrentando.

Eu não entendia nada, mas sentia que algo importante estava acontecendo. Algo que mudaria o destino do país e das pessoas. Algo que mudaria a minha vida e a da minha mãe.

Foi então que descobri o segredo da minha mãe. Um segredo que guardava há muito tempo e que só revelou naquele momento histórico.

Um dia, cheguei da escola e não encontrei minha mãe em casa. Achei estranho, pois ela nunca saía sem me avisar. procurei em todos os cômodos da casa, mas não a encontrei. Comecei a ficar preocupado e assustado.

Foi quando entrei no quarto dela e vi algo que me deixou perplexo. Em cima da cama, havia um uniforme militar verde-oliva, uma boina vermelha, uma arma e um distintivo com as iniciais de um antigo partido clandestino.

Reconheci aqueles objetos como sendo os símbolos de um dos grupos guerrilheiros que lutavam contra o governo. Tinha visto fotos deles nos jornais e nos cartazes espalhados pela cidade.

Eu não podia acreditar no que via. Minha mãe era uma comunista? Uma guerrilheira? Uma revolucionária? Como isso era possível? Por que nunca me contou? Onde estava? O que estava fazendo?

Fiquei paralisado diante daquela revelação. Não sabia o que pensar nem o que fazer. Só sabia que minha mãe tinha uma vida secreta e perigosa, que estava envolvida em uma luta armada e que corria risco de morte.

Fiquei ali, esperando, sem saber se ela voltaria ou não.

Voltou no dia seguinte, à noite. Entrou em casa com cuidado e silêncio. Estava suja, cansada e ferida. Tinha um corte no rosto e um tiro no braço.

Me viu sentado na sala, com os olhos arregalados e a boca aberta. Percebeu que eu sabia de tudo. Se aproximou de mim e me abraçou com força. Me pediu perdão e explicou tudo.

Disse que era uma revolucionária desde jovem, que tinha se filiado ao partido em 1968, na época da ditadura. Me disse que tinha participado de várias ações contra a ditadura, que tinha sido presa e torturada, que tinha fugido e se escondido.

Me disse que tinha se casado com meu pai, que também era um revolucionário, e que eles tinham tido dois filhos: eu e meu irmão. Que eles tinham tentado levar uma vida normal, mas que nunca tinham abandonado a luta.

Que meu pai tinha sido morto em um confronto com a polícia e que meu irmão tinha sido sequestrado e desaparecido. Que tinha ficado sozinha e desesperada, mas que tinha continuado a resistir.

Disse que tinha se envolvido na Revolução Socialista, que via como uma oportunidade de derrubar o governo. Que tinha participado de vários ataques e sabotagens, que tinha sido ferida em uma emboscada.

Me disse que estava orgulhosa de ser uma revolucionária, que acreditava na causa do povo, que lutava por um mundo melhor. Que me amava mais do que tudo, que só queria o meu bem, que esperava que eu entendesse.

Ouvi tudo o que disse, mas não consegui entender. Eu não conseguia aceitar que minha mãe fosse uma revolucionária. Não conseguia concordar com suas idéias e seus atos. Não conseguia perdoar suas mentiras e seus crimes.

Me soltei do seu abraço e me afastei dela. Olhei para ela com raiva e desprezo. Disse que não a amava mais, que não a queria mais como mãe, que a odiava.

Ela ficou chocada e magoada com as minhas palavras. Tentou se aproximar de mim novamente e me convencer do contrário. Disse que eu era seu filho e que era minha mãe, que nós éramos uma família.

Eu não quis ouvir mais nada. Peguei minha mochila e saí de casa. Deixei minha mãe sozinha e ferida.

Sai tentando esquecer.

Mas ela não saiu de mim.

Tentei esquecê-la, mas não consegui. Tentei odiá-la, mas não consegui. Tentei negá-la, mas não consegui.

Ela estava sempre presente em minha mente e em meu coração. Sempre me assombrando e me questionando. Me ensinando e me desafiando.

Comecei a entender o que ela tinha feito e por que tinha feito. Comecei a respeitar sua coragem e sua determinação. A admirar sua luta e sua paixão.

Comecei a amá-la novamente.

Comecei a ser como ela.

Me tornei um revolucionário.

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RAIMUNDO CAMPOS
Enviado por RAIMUNDO CAMPOS em 14/05/2023
Reeditado em 14/05/2023
Código do texto: T7787840
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