Antônio limpava a gota única de suor que escorria da testa, apesar do frio daquela – improvável – chuva que já vinha. – “Todo dia… TODO DIA no mesmo horário essa luz fica piscando, piscando, oscilando…”.

 

Ele encarava a lâmpada pertinho da escada da piscina no edifício em que trabalhava como zelador… “AÍ, oh! Olha lá! Sempre às nove horas! Ela fica piscando, piscando, oscilando, oscilando… fazendo esse barulho esquisito…”. Antônio não era de ficar impressionado com qualquer coisa. Já que era “assíduo frequentador” de playgrounds vazios, madrugadas silenciosas, estava habituado a histórias de fantasmas, coisas estranhas. Muitas horas sozinho no escuro – "É o jeito que ela pisca…" – Segunda semana seguida. A luz direcionava os pensamentos de Antônio de modo que ele passou a “querê-la sempre por perto". Passava o dia limpando todas as áreas do prédio o mais rápido que podia, pra ter mais tempo pra ela.

 

A madrugada chegava, ele puxava um banquinho, abraçava-se ao esfregão e encarava a lâmpada fazendo sua dança psicodélica de luzes, bem diante de seus olhos inocentes... que viram pouca coisa do mundo. Olhos que não perdiam um só minuto daquela frequência. – "É o jeito que pisca… (…) Doze meses seguintes… – É o jeito que pisca… (…)

 

Era a única coisa que Antônio dizia, apesar das lágrimas que não pararam de descer, quando soube que o prédio seria vendido. Vendido e demolido… algum empreendimento novo e gigante seria feito a partir daquele NADA que sobraria depois de implodido. – “Talvez eu possa trabalhar aqui, depois… E a luz, a luz pode me encontrar. Ela VAI me achar outra vez..." – "É o jeito que ela pisca…" – Repetia enquanto o prédio caía. A poeira desenhava um cogumelo imundo no ar. Letras se formavam no céu dos pensamentos de Antônio: “P R O G R E S S O”; sua luz… que piscava, oscilava…

 

Vinte e quatro anos depois… Antônio zanzava pelo shopping center. Ele era o “cara novo” mas ao mesmo tempo… era o homem mais velho. Sua coluna emitia “chiados” quando tentava esfregar o chão com rapidez. “AI...!…!”… A rapidez era desnecessária, Antônio seguia o trabalho, um sorriso bobo no rosto… – “Muito tempo procurando um emprego, amigo??” – Perguntou um colega, diante daquele largo sorriso do novo empregado. Parecia “feliz demais” passando pano no chão do terceiro piso. A limpeza não tinha fim, não existia exatamente uma meta. Onde se terminava de limpar, alguém vinha e sujava. O novo empregado era distraído, vivia olhando pra cima… – "É o jeito que pisca…" –Dizia Antônio, abraçado a vassoura… olhando a nova luz que piscava. – "É filha da outra... " – Uma lâmpada no teto, logo acima de uma lanchonete. Piscando, oscilando… oscilando, oscilando…

 

 

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 13/05/2023
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