LUA

Eu abri os olhos, mas em alguns segundos percebi que estava no meio de um sonho semiconsciente. Eu estava sentado junto a um balcão de um bar. Um tipo diferente do que eu estava acostumado a frequentar, mas que parecia estranhamente confortável. Sentada bem perto de mim estava uma mulher. Também familiar, mas que eu não conseguia distinguir claramente as feições. No entanto eu sabia que aquele era o tipo mais perigoso de mulher. O tipo de mulher atraente que tinha plena consciência disso.

Ela se aproximou de mim com um sorriso no rosto e se sentou bem no balcão, com as pernas cruzadas.

- Não vai pedir nada pra beber? - Ela perguntou.

- Não. Amanhã tenho que trabalhar.

- Se tem que trabalhar amanhã e não vai beber, por que veio a um bar?

- Não sei. Às vezes preciso de uma fuga pra pensar claramente.

- Está funcionando?

- Não exatamente.

Ela abriu ainda mais o sorriso e cruzou e descruzou as pernas rapidamente.

- O que aconteceu que você não tem me procurado mais? - Ela falou, sem deixar desfazer o sorriso.

- Nada especial.

- Sei. - Ela murmurou. Desta vez, me encarando com um olhar profundo e quase cínico.

- Não é como se fizesse muita diferença pra você. - Respondi sem tirar os olhos do balcão.

- O que você quer que eu diga?

- Nada em especial... Mas se eu não te procuro, você também não me procura.

- Tem coisas que só funcionam de um jeito, meu amor. - Ela respondeu, se desfazendo da seriedade e voltando aos sorrisos.

- Imagino que seja assim pra você.

- Se você quer algo diferente, então você não me quer.

- Deve ser.

- Você sabe que nunca daríamos certo juntos. - Ela falou, tirando um cigarro da bolsa.

- Eu deixo esse tipo de conclusão pra você. Não posso ter certezas sobre algo que não vivi de verdade.

Ela acendeu o cigarro e me olhou como se eu tivesse tocado em um ponto sensível. Depois de me encarar por alguns segundos, enquanto segurava a fumaça, ela virou a cabeça pra cima e soltou tudo de uma vez.

- Certo. Você está certo.

- Não faz diferença.

Ela sorriu e pegou, minha mão e ficou brincando com meus dedos. Depois levou para debaixo de sua saia. Uma saia preta apertada contra suas pernas, que quase dificultava os seus movimentos.

Eu senti algo lá. Algo entre o tecido e sua perna. Puxei em minha direção e vi que era uma carta de Tarot. Deixei a carta virada pra baixo sobre o balcão, enquanto tentava entender o que aquilo significava.

- Não vai virar a carta? - Ela perguntou, com um sorriso nos lábios.

- Estou decidindo se quero ou não saber o que ela tem pra me dizer.

- De uma forma ou de outra você vai descobrir, meu amor.

Sem conseguir segurar a ansiedade eu virei a carta. Era a Lua.

- Eu já fui sua torre em outro momento. E agora o que eu sou? - Ela murmurou com um sorriso cínico, como se não soubesse qual era a carta que eu tinha nas mãos.

- Você sabe muito bem... muito melhor do que eu. Respondi...

Eu virei a carta e mostrei a ela.

- Estava esperando algo diferente?

- Não. Com você sempre foi muito mais sobre o que estava escondido do que sobre o que estava diante dos meus olhos.

Ela saltou do balcão, trouxe o rosto pra perto do meu e me deu um beijo.

- Garoto esperto...

Nem com a proximidade eu pude distinguir o seu rosto claramente. Como se a natureza dela fosse o engano. O imprevisível. Era algo, mas poderia ser outro. E provavelmente era.

Ela caminhou em direção à saída e logo desapareceu na escuridão do bar.

Olhei para a carta sobre o balcão. A lua parecia sorrir cinicamente pra mim. Fiz um sinal pra o garçom e pedi uma cerveja, decidido finalmente a parar de pensar sobre o dia de amanhã.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 10/05/2023
Código do texto: T7784839
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