O ENCONTRO DE CLARICE LISPECTOR COM CHICO BUARQUE E VINICIUS DE MORAES*

 

Dizem algumas fontes jornalísticas, ou talvez as más línguas, que a grande escritora judia-pernambucana, então com 48 anos, no auge de sua beleza e de sua fama, com diversos livros publicados ao redor do mundo, encantou-se pelo jovem compositor, então com metade de sua idade. No entanto, a maledicência da imprensa especializada em fofocas, chegou a sugerir que a escritora foi muito além de uma simples admiração, querendo, na verdade, seduzir o belo e talentoso compositor da Banda, Carolina, Roda Viva (e várias outras pérolas da MPB), convidando-o para um jantar à luz de velas. Nessa época, ela estava separada e ele casado com a atriz Marieta Severo. Chico com sua habitual timidez, para evitar um corpo a corpo tão desafiador, e para não cair em tentações extra-matrimoniais com a famosa escritora, levou consigo a tiracolo Vinicius de Moraes.

Verdadeiras ou não, essas insinuações da imprensa marrom me estimularam a imaginação e passei a simular um possível diálogo entre essas três grandes personalidades literárias.

Clarice, rompendo um longo silêncio, diz:

— Chico, Vida é o desejo de continuar vivendo e viva é aquela coisa que vai morrer. A vida serve é para se morrer dela.

E depois num tom sarcástico, digno de Woody Allen, lhes diz:

— ter nascido estragou minha saúde. O que os fez rir a borbotões: Hahahaha...

Chico então com sua habitual modéstia, responde a Clarice:

— Vida, minha vida, Olha o que é que eu fiz,Deixei a fatia mais doce da vida, Na mesa dos homens de vida vazia, Mas, vida, ali, quem sabe, eu fui feliz.

Vida, minha vida, Olha o que é que eu fiz, Verti minha vida nos cantos, na pia, Na casa dos homens de vida vadia, Mas, vida, ali, quem sabe, eu fui feliz.

Clarice, entusiasmada com esses pensamentos, ou quem sabe versos, de seu jovem colega, exclama:

— Fantástico! Sua personagem foi feliz na mesa dos homens de vida vazia e vadia!

E lhe pergunta em tom melancólico:

E o que acontece depois de sermos felizes?!-

Vinicius, até então calado e na situação incômoda de segurador de velas, tomando uma bom trago do whisky que Clarice lhe havia servido, toma a liberdade de interrompê-los:

— Tristeza não tem fim, Felicidade sim, A felicidade é como a gota, De orvalho numa pétala de flor, Brilha tranquila, Depois de leve oscila, E cai como uma lágrima de amor

Concordaram os três que a felicidade é fugaz enquanto a tristeza, perene. Quando então Chico timidamente responde à Clarice de forma categórica:

— Pra mim Basta um dia, Não mais que um dia, Um meio dia. Me dá, Só um dia, E eu faço desatar, A minha fantasia, Só um, Belo dia, Pois se jura, se esconjura, Se ama e se tortura, Se tritura, se atura e se cura, A dor, Na orgia, Da luz do dia, É só, O que eu pedia, Um dia pra aplacar, Minha agonia, Toda a sangria, Todo o veneno, De um pequeno dia...

Clarice então, expressando admiração e fitando Chico diretamente em seus olhos cor de turmalina, depois de sorver um bom trago de seu calice de vinho, lhe disse com convicção:

— A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver.

Vinicius, sempre atento à beleza feminina, e tendo diante de si uma bela e brilhante mulher, não perderia a oportunidade de mostrar todo seu veio poético:

— Assim será nossa vida: Uma tarde sempre a esquecer, Uma estrela a se apagar na treva, Um caminho entre dois túmulos...

Embora Chico fosse casado e extremamente tímido, entusiasmado diante da radiante beleza e a aguda inteligência da grande escritora judia-nordestina, não perdeu tempo para mostrar-lhe seu grande talento:

— O que será que me dá, Que me bole por dentro, será que me dá, Que brota à flor da pele, será que me dá, E que me sobe às faces e me faz corar, E que me salta aos olhos a me atraiçoar, E que me aperta o peito e me faz confessar, O que não tem mais jeito de dissimular, E que nem é direito ninguém recusar, E que me faz mendigo, me faz suplicar, O que não tem medida, nem nunca terá...

Os três se entreolharam e uma longa pausa se fez diante do que acabaram de ouvir, e não esboçaram qualquer reação, a não ser um silencioso espanto...

*texto extraído de meu novo livro, O Bêbado e o Rabino,

(no prelo)

 

Roberto Leon Ponczek
Enviado por Roberto Leon Ponczek em 02/05/2023
Reeditado em 05/08/2023
Código do texto: T7777796
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