O MANÁ DE DONA MOÇA

Dona Moça, simples, pacata, silenciosa e inteligente. Morava no sertão do Ceará, num casarão construído no alto do vilarejo, com um espaçoso terreiro rodeado de uma rica vegetação, onde se via um majestoso e frutífero pé de canjarana logo à frente da suntuosa moradia. Ao lado, o curral com poucas vacas leiteiras e alguns canteiros de hortaliças cultivadas pela prendada matriarca. No quintal um criatório de porcos alimentados com restos de alimentos e um chiqueiro feito de varas com galinhas e capões para o almoço dos domingos. Espalhadas,  galinhas e pintos ciscando o chão na busca de alimento. Mãe de uma prole numerosa, educada dentro dos padrões rigorosos da época. Dona Moça, fiel nos seus preceitos, exerceu com maestria o papel que lhe foi designado por Deus, dentro, da sua fervorosa fé na Imaculada Conceição. Criada sem pai, que partiu para o outro plano, quando ela tinha apenas quatro aninhos, dizia que teve uma premonição na saída de seu genitor para um sepultamento, chorou para ele não ir e, pouco tempo depois, recebeu a triste noticia de sua precoce partida. Passou a ser  orientada por padrastos, sua mãe, contraiu dois casamentos após a viuvez que ao longo dos anos também se foram. Dona moça, casou cedo e, foi muito feliz no seu matrimônio, marido afetuoso, amoroso, um fiel companheiro, que tinha como mimo principal, o seu primeiro café da manhã na cama. Morria de medo de perdê-lo, e, sempre dizia: -quero partir primeiro que ele, não aguento a despedida, e assim, aconteceu. Muito cuidadosa com a casa, tudo no seu devido lugar. A sala das visitas, piso de tijolos, com cadeiras rústicas de couro, ao lado a salinha dos Santos com as imagens de Jesus e Maria. Ali, semanalmente era rezado o terço, a oração e a ladainha de Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Falava: ‐ Existem sete portas para o céu e a oração é o ensinamento para o caminho da chegada. Adiante, a grande sala de jantar, piso de barro batido, com mesa comprida, dois potes, uma trempe cheia de panelas de alumínio e uma cristaleira com alguns utensílios de vidro e cerâmica. Logo após, a cozinha com fogão à lenha, uma mesinha pequena e um pote gigante. Ao lado dois quartos com camas antigas e colchões de palha. Não estudou, mas era uma exímia costureira, bordava muito bem e uma cozinheira de mão cheia. O menu de dona Moça aos domingos: uma galinha ou capão caipira, água com sal, colorau, pimenta do reino, cominho, alho e cebolinha branca. Após a matança da ave, sapecava os canhões no fogo, em seguida, lavava com água, sabão, farinha e esfregava com  bucha vegetal, usada no lugar da tradicional esponja. Num tacho de ferro, colocava a água, o colorau, o sal e a galinha ou o cevado capão. Após o cozimento, o restante dos condimentos e deixava mais um pouco na fervura. A parte, o feijão de corda escorrido, o arroz da própria lavra e a deliciosa farofa da gordura do cozido. Na mesa, o murmúrio era grande na disputa de cada pedaço de carne. Geralmente, cada um tinha à sua preferência, a coxa, a moela, o pescoço recheado de sangue, o preferido da dona da casa, dificilmente chegava à mesa e, o fígado eram os mais disputados. Na sobremesa o gostosíssimo doce de leite ou um pedaço de rapadura. Dona Moça, resiliente, sem pressa, companheira, amiga, boa mãe, adorável irmã, respeitosa filha, avó de inúmeros netos, sementes semeadas ao longo do tempo. Dona Moça, uma vida, uma história, um caminho a ser seguido por outras gerações, advindas dos seus ensinamentos de amor, paciência e honestidade.