Faxina musical
Rosicleyde Aparecida, a moça brasileira que limpa nosso apartamento aqui em Nova York, mãe solteira e imigrante ilegal, mas que por isso mesmo cobra mais barato do que as faxineiras em situação legal, faz uma faxina muito boa, mas tem o estranho hábito de fumar enquanto trabalha e ir jogando a cinza do seu cigarro no chão mesmo. No nosso chão, se ficou alguma dúvida. Somos vegetarianos, não bebemos álcool e muito menos fumamos, então não temos cinzeiros em casa.
Logicamente que depois ela volta com a vassoura ou o aspirador e limpa tudo, senão já a teríamos dispensado, não? Uma vez ela trouxe o filho, um capetinha de cinco anos, ao qual fizemos a tolice de dar uma barra de chocolate com a promessa de que ficasse quieto, sentado, vendo umas figuras num livro, não mexesse em nada. Mas, ah, foi só um descuido, e o pequeno delinquente esfregou parte do chocolate na parede da sala, provavelmente porque não era um produto fabricado na Suíça ou na Bélgica, não atendia plenamente seu paladar sofisticado, sabe-se lá.
Mas o pior de tudo foi o dia em que Rosicleyde Aparecida trouxe seu rádio de pilha (esse equipamento ainda existe, ficamos surpresos) e ouviu bem alto uma porção de músicas de uma rádio bem popular entre a comunidade brasileira na cidade. Tinha uma que espero nunca mais toque aqui quando ela estiver faxinando novamente nosso lar, porque o que é que os vizinhos irão pensar de nós se a ouvirem outra vez, mesmo não entendendo nada da letra? Ouçam-na e nos deem razão:
“Eu acordei suando muito, na madrugada / A boca seca e / Minha cueca toda melada / Procurei outra para trocar/ Mas não encontrei / E sua calcinha então usei. / Laura, já lhe falei / Eu sei que errei / Mas foi somente daquela vez / Usei sua calcinha sim, / Mas depois lavei. / E acredite, amor, / Eu não sou Ray.
“Eu não sou Ray, eu não sou Ray, / Eu não sou Ray / Eu sei que errei, eu sei que errei / Eu sei que errei / Sua calcinha eu usei, mas já lavei / Meu amor, deixa eu voltar / Pode acreditar, / Eu não sou Ray.
“Peço perdão, de coração, / Quero voltar e então provar / Que eu não mudei. / Laura, sou o mesmo rapaz / Pode acreditar, / Eu não sou Ray. / Laura, deixa eu voltar / Eu não mudei, eu não mudei / Eu sei que errei, claro que eu errei, / Mas posso lhe provar / Que eu não sou Ray.
“Eu não sou Ray, eu não sou Ray, / Eu não sou Ray / Laura, quero lhe mostrar, deixa eu te amar, / E lhe provar que eu não mudei. / Você vai gostar, vai adorar / E vai gritar que sou o mesmo rapaz / Que eu não mudei / E comigo vai querer ficar / Pra sempre irá me amar / E de presente você vai me dar / Aquela calcinha que eu usei.”
E finalizava assim, o rapaz falando para a moça:
“Laura, você sabe que eu não sou Ray; meu nome é Guy, ok?”
E sabem o motivo de não apreciamos nem um pouco essa canção, quero dizer, música, não apenas por ela ser extremamente brega? É justamente porque eu me chamo Guy e meu darling se chama Ray. Que terrível coincidência, não?