Pois é para que?

— Não existe determinismo. O bom ou ruim desta vida é que não nascemos carimbados, com o destino pronto. Não somos atores de uma vida  determinada, somos autores de uma vida construída.

Ouvi estas palavras na aula do professor de ciências do comportamento no sétimo ano. Fiquei muito tempo impressionada e pensando nestas palavras.  Como o professor sabia disto tão bem? E ainda citar filósofos e gente importante da literatura que pensam assim? Porque eu sei, sempre soube. Desde a infância. Sei pelo exemplo. Não  adianta sentar e esperar a vida mudar. Vi minha mãe, que viu a minha avó, levantar todos os dias de madrugada para trabalhar e tentar uma vida melhor. Vi a tia Dulce se perder na droga por escolhas difíceis que a levou para este lugar. Ganhar dinheiro fácil sempre é a escolha mais fácil, mas como disse o professor e, agora eu sabia que muitos pensadores disseram também, as escolhas constroem um resultado e o resultado depende das escolhas. E são tantas...

— Esta bola não é sua Anita. Devolve para o Sr. Joaquim. Vamos lá dizer a ele que sua mãe trabalha e assim que puder te comprará uma bola.

E lá fomos, eu e minha mãe, na venda do Sr. Joaquim devolver a bola de vôlei novinha que ele me deu. Senti raiva e rejeição. Porque minha mãe não quer me ver feliz? Porque eu nunca posso ter nada novo? Sempre roupas das filhas das patroas dela. Sempre brinquedos usados ou doados pela igreja.

— Anita! você não vai sair com estes amigos. Preciso de você em casa com a sua vó. A pressão dela subiu e não posso deixá-la sozinha.  

Muitos sábados foram passados só eu e minha avó assistindo filme na tv e minha mãe fazendo hora extra olhando filho dos outros.

— Anita, a Dona Tereza da padaria está precisando de uma moça para trabalhar no caixa. Disse a ela que você sabe matemática e ela quer te entrevistar. Amanhã vamos lá. Disse também que você só pode trabalhar a tarde. De manhã vai para a escola . Mas à noite quando chegar do trabalho precisa fazer o dever de casa e estudar para as provas certo? Se tirar notas baixas, sai do emprego.

E eu fui trabalhar. Adorei sair de casa o dia todo. Tive o meu dinheiro. Com o meu primeiro salário comprei roupa nova, presunto, queijo e um bolo de chocolate na padaria. Foi dia de festa na minha casa. Não lembro se já tínhamos comprado e comido inteirinho um bolo de chocolate.

Sentada aqui, neste banco de necrotério, estas cenas chegam à minha memória coladas umas às outras. São simultâneas e me mostram o caminho que minha mãe e avó traçaram para me educar.  Olho para o caixão de minha mãe e da minha vó e prometo: Vão em paz. Vocês conseguiram romper o ciclo de gerações miseráveis. A bala perdida que mataram vocês, não me atingiu.Continuo na luta para provar o que o professor disse: “Nossas escolhas são nossas.”  

Dou um beijo na testa das duas, despeço-me e saio dali para viver a vida tão duramente construída pelas duas mulheres da minha vida.

Márcia Cris Almeida

28/04/2023