Recado
- Não deixe que ninguém toque o seu coração, se não for tocar também todo o resto. - Eu disse despretensiosamente, enquanto abria mais uma garrafa de vinho.
- Como? - Amanda perguntou intrigada.
- É isso...
- Mais uma das tuas falas misteriosas. - Ela replicou.
- Onde está o mistério?
- Tua intenção em dizer isso.
Enchi os nossos copos e ela ficou me encarando.
- Extrair as intenções das palavras é um exercício pra vida.
- Isso parece algo que minha mãe me diria.
- Algo que sua madrinha diria... na verdade.
- Como é, rapaz?
- Você sabe de quem estou falando.
- Sim. Mas eu preferia que você fosse direto ao ponto.
- Não posso ir mais longe do que isso. Você sabe muito bem.
Ela tomou um gole do vinho e ficou com um meio sorriso pendurado no canto da boca.
- Tá certo então. - Ela murmurou depois de alguns instantes.
- Está certo mesmo?
- Olha. Eu não estou acostumada a tirar os meus pés do chão não. Inclusive quando tiro, termino caindo. Então não é comum que eu deixe minhas coisas expostas por aí. Quanto mais o meu coração.
- Não é porque você não está acostumada que não aconteça.
- Eu sei. Mas estou bem tranquila.
- Que bom. Nesse ponto eu nunca estou.
- Porque você é trouxa, meu bem. E gosta de ser trouxa.
- Não é como se eu gostasse.
- Mas está sempre metido no mesmo tipo de situação. Sempre apaixonado por quem não te merece. Sempre esperando o máximo do que não te dá o mínimo.
- Eu não espero o máximo de ninguém.
- Mas quase sempre tá romantizando o óbvio.
- E qual é o óbvio?
- Que você só ama o que não pode ter.
- Isso é um pouco cruel, não?
- Você que é cruel consigo mesmo, meu amor.
- Talvez tenha um pouco de verdade nisso.
- É... Talvez tenha – Amanda murmurou quase que cinicamente.
Me levantei e deixei o meu copo na mesa de centro que estava entre nós dois.
Fui até a janela e respirei fundo o ar fresco que vinha de fora.
- Seria tudo muito fácil se pudéssemos ser racionais com essas coisas. - Falei, me virando novamente pra ela.
- Nós sempre podemos.
- Como?
- É só investir o tempo em coisas mais simples. Sexo, amizade, trabalho... a vida vai muito além de amar.
- Pois é. Mas a carne mais fraca é a do coração. Ela sempre falha primeiro.
- Você tem coração de vira-latas, meu bem. Tem um pouquinho de amor pra todo mundo aí dentro, tanto que às vezes falta um pouco pra você mesmo. - Amanda respondeu também se levantando.
Ela pegou o celular, conferiu a hora e largou ele de lado sobre o sofá.
Me olhou no fundo dos olhos, e dessa vez não havia nenhum sorriso em seus lábios. Apenas um tipo estranho de certeza e tensão. Então ela apagou a luz, pegou o copo e andou com passos lentos, até desaparecer no escuro do meu quarto.