Baixa estatura, alta estima
João, um de meus nem melhores nem piores amigos, faz parte de uma extensa família que sempre deu muito lucro para os fabricantes de escadas especiais.
Faltam poucos degraus numa escala que vai de zero a dez para que as pessoas que não praticam hábitos sociais politicamente corretos chamem João e seus parentes de anões. Infelizmente a coisa não para por aí.
Num elevador lotado sempre tem um sujeito malvado que dá um jeito de ficar esfregando o saco na nuca ou na cara dessas pessoinhas que não têm culpa de serem baixinhas.
Quem deveria ter culpa são as pessoas ditas normais que praticam o capacitismo, preconceito contra os indivíduos que apresentam algum problema físico ou têm algum tipo de limitação, como podem ter (ou não, depende) os adultos de baixa estatura.
Ocorrências como a do elevador e outras socialmente desagradáveis afetam consideravelmente a autoestima dos indivíduos verticalmente prejudicados, não apenas verticalmente.
Também horizontalmente, porque às vezes quando tentam repousar um pouco ou vão dormir podem se perder no meio de almofadas, travesseiros, lençóis e cobertores de casal, exageradamente grandes para eles.
Não é tão incomum que seja necessário chamar o serviço de resgate do SUS para localizar uma dessas pessoas, perdida que ficou numa floresta de artigos de cama, mesa ou banho.
Mas o que vale mesmo a pena registrar é o caso de um tio do João, que venceu muitos obstáculos, não se contentou em ser mais um pintor de rodapés por conta de sua altura. Altura não, baixa estatura.
Porque pintar rodapés desde sempre foi um dos trabalhos mais ofertados para os parentes de João, como se eles não fossem capazes de fazer outra coisa além de trabalhar no circo.
No cinema e na televisão pessoas verticalmente prejudicadas também podem fazer sucesso. Esqueceram daquele ator americano boa-pinta, Peter Dinklage, intérprete de Tyrion Lannister na série Game of Thrones? Pois é...
Então, fugindo dos estereótipos, o tio do João estudou muito, fez faculdade, defendeu tese e o escambau, toda a família se orgulha demais do sujeito. Porque subiu muito na vida, sem precisar dos ombros de algum grandalhão como escada.
Hoje, ele se encontra bastante realizado fazendo o que faz: escreve pequenas notas de rodapé para os livros de grandes pensadores, cientistas e escritores do universo ficcional em que todos vivem satisfeitos da vida.