UMA LONGA JORNADA

O ano era 1983, e eu era muito jovem quando decidi sair de casa. Eu era o menino da fazenda (uma fazenda bem pequena, aliás), nascido e criado no Texas, no meio do mato, perto de uma cidadezinha qualquer. Como todo garoto, sonhei com fortunas e ser alguém na vida. Por isso, numa manhã fria de novembro, juntei meus poucos pertences e decidi partir.

Minha mãe na soleira da porta chorava e acenava para mim, meu pai estava inflexivo, tentando ser forte. Eu era filho único e estava batendo asas.

— Adeus, meu filho! — gritou minha mãe entre uma lágrima e outra.

Eu era jovem, não tinha certeza do que estava fazendo. Eu só sentia que precisava ir, ou eu me lamentaria a vida toda por passar meus dias cuidando de vacas na fazenda.

Naquela manhã fria de novembro dei as costas para o mundo que conhecia e fui do Texas até Nova Iorque de carona. Fiquei com fome, fiz algumas diárias pelo caminho em troca de comida. Demorei para chegar ao meu destino, eu não tinha um centavo no bolso, e às vezes eu precisava dormir no frio.

Quando, enfim, cheguei em Nova Iorque, percebi que a viagem até ali foi apenas uma pequena amostra das dificuldades que eu iria passar. Deus sabe o quanto penei e, sendo sincero, o quanto me lamentei ter me aventurado assim. Mas eu tinha chegado longe demais para retroceder.

Consegui um emprego numa lanchonete no centro da cidade, morei num apartamento apertado, parecendo uma caixa de sapato, mal me cabia. Economizei cada centavo que consegui. Trabalhei por três anos na lanchonete. Com o dinheiro que economizei, fui comprando materiais para eu mesmo fabricar lanches.

Decidi largar meu emprego na lanchonete e comecei a fazer lanches para vender na rua. Eu acordava antes do sol nascer e voltava para casa quando estava escuro.

Aos poucos fui ganhando clientes fiéis que compravam comigo todos os dias, fui ficando cada vez mais conhecido, até que decidi alugar um pequeno lugar e abri minha própria lanchonete. O sucesso não foi imediato, às vezes sobrava dinheiro apenas para eu não morrer de fome e dormir ao relento. Contudo, as coisas foram se ajeitando.

Quase dez anos após sair de casa, eu tinha uma boa renda para viver. Não era uma grande fortuna, mas eu poderia desfrutar um pouquinho mais da vida.

E quase dez anos após sair de casa, recebi um telefonema que fez meu mundo desmoronar. Era minha mãe.

— Alô! — eu disse.

— Oi, meu filho. É a mamãe.

Fiquei um tempo em silêncio, fazia muito tempo que eu não ouvia a voz dela. As notícias que eu tinha eram por cartas, ligação era cara.

— Oi, mamãe. Sinto sua falta.

Ouvi ela chorar do outro lado da linha. Eu chorei também.

— Como o papai está? — eu perguntei.

Ela ficou quieta, parecia querer tardar alguma informação.

— Foi por causa dele que liguei. — Ela pareceu engolir o choro, estava tentando se controlar para não desmoronar. — Seu pai teve um infarto ontem e não resistiu. O enterro será amanhã. — Ela fez uma pequena pausa antes de prosseguir. — Sabe, filho. Aquele dia que você saiu de casa, seu pai tentou ser forte, mas quando você estava longe, ele chorou como nunca eu havia visto ele chorar. Seu pai te amava muito.

Senti uma forte vertigem. Eu achei que daria tempo de me estabelecer melhor e trazer meus pais para perto de mim, mas não deu tempo. Meu pai morreu. E como eu daria tudo que conquistei só para abraçá-lo novamente. Mas nem ao menos pude me despedir.

— Oliver? — minha mãe me chamou, eu nem recordava mais que estava ao telefone com ela.

— Estou indo mamãe, vou pegar um voo hoje.

— Está bem.

— Mãe?

— Oi, filho.

— Eu amo você. E também amava muito o papai.

— Eu também te amo, filho.

Naquele mesmo dia paguei caro por uma passagem e entrei num avião. Quase dez anos após sair de casa, eu estava voltando. Não nas condições que eu imaginei. Eu estava voltando para casa, mas não com a alegria que achei que voltaria. Eu estava voltando com uma enorme dor no coração.

Fiquei nostálgico ao rever a cidadezinha da minha meninice, paguei um taxista para me levar até à pequena fazenda dos meus pais.

Quando revi minha mãe, eu a abracei fortemente. Eu não queria soltá-la, com medo de vê-la partir também. Não consegui dizer nada, apenas chorei. Deixei a dor escoar nas lágrimas e naquele abraço.

O resto do dia foi um borrão. O velório foi um borrão.

Quando meu pai já estava enterrado e todos tinham ido embora, eu sentei ao lado do túmulo dele e deixei as palavras fluírem. Eu sentia que precisava ter essa última conversa com ele.

— Oi, pai! Talvez tenha sido egoísta da minha parte demorar tanto tempo para voltar. Mas a verdade é que tive medo de voltar como um fracassado. Eu queria tirar vocês dessa cidade de merda, dar dignidade para você e a mamãe. Desculpa ter falhado com você. Senti tanto a sua falta, pai. Sempre me orgulhei de ser seu filho. Obrigado por todos os ensinamentos e os bons momentos. Eu te amo pai.

Assim que terminei de falar, senti uma enorme paz. Senti-me abraçado, era como se meu pai tivesse me ouvido e me perdoado por ter ficado tanto tempo longe.

Sacudi a areia dos meus sapatos, olhei uma última vez para a sepultura do meu pai. Depois fui embora, com a saudade de companheira.

Felipe Pereira dos Santos
Enviado por Felipe Pereira dos Santos em 06/04/2023
Código do texto: T7757596
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