As cocadas/miniconto
Graça e Chico, assim era conhecido o casal de recém-casados. Vindo de dois casamentos falidos, com desastrosos desentendimentos, dissolvidos em um longo divórcio. Se conheceram num daqueles sites de relacionamento, tipo Orkut ou algo parecido. Não demorou muito para marcar o primeiro encontro e em seguida engatar um pedido de casamento, nos moldes da quase terceira idade: “vamos juntar nossas escovas de dentes”? E foi assim que surgiu para a sociedade o mais novo casal.
Graça, uma mulher já vivida, próxima a idade de aposentar-se e já ansiando pela chegada dos primeiros netos. Chico, não muito diferente, vivido, carregado de experiências, umas boas, outras nem tanto, pai de dois filhos, que perdera o contato após o desastroso divórcio, com vontade e necessidade de refazer a vida. Desde a separação, passara a viver num quartinho, sozinho, apenas uma cama, um fogão e seu velho computador compunha a mobília da casa. O computador, único bem, lhe mostrou a possibilidade do novo relacionamento, do recomeço.
Graça tinha sua casa, então seria muito mais acertado que o Chico trouxesse sua escova de dente para o seu banheiro. E assim fez.
O novo casal passou a viver juntos e aos poucos conhecendo um ao outro. Se o casamento era por amor, acredita-se que nem eles sabiam naquele momento, não houve tempo hábil para essas coisas do coração, também, depois de certa idade e vivências, junta-se um amontoado de sentimentos e experiências, que o amor passa a ser confundido com tantas outras necessidades da vida a dois. Em resumo: juntou-se a fome com a vontade de comer, como dizia a minha avó.
Felizmente, o casal se entendia muito bem. O amor, o respeito e a cumplicidade foram crescendo dentro do novo lar. Já era sabido que para continuar dividindo o mesmo espaço para suas escovas de dentes, teriam que ceder em alguns momentos e recuar em outros.
Depois do surpreendente casamento, logo os dois se aposentaram. Agora era só desfrute de seus longos anos de trabalho e dedicação. Filhos adultos e independentes, aposentados com saúde e vigor, “vamos viajar”, conhecer lugares e culturas diferentes. Em comum acordo decidiram.
O casal passou a viajar pelo Brasil. Começou por um roteiro litorâneo. Conheceu diversos pontos turísticos do Sul, Sudeste, Nordeste, suas culturas e diversidades. Depois montaram um roteiro de cidades históricas brasileiras. Foi em uma dessas viagens do novo roteiro que a Graça conheceu a “mulher das cocadas”. Em Alcântara.
Uma cidadezinha muito graciosa, fincada nos arredores de São Luiz/MA. Calçamento de paralelepípedos, cercada de ruínas de muito simbolismo para a história do Brasil, eram algumas das características da pequena cidade.
Sempre de mãos dadas, depois de uma viagem sacolejando dentro de um catamarã, passeiam pelas ruas da encantadora cidade. Ruas estreitas, uma foto aqui outra acolá, correm para as ruínas da antiga igreja, visitam o museu que traz a história de Alcântara, local de muitas memórias e muitos outros pontos turísticos.
Entram numa ruela e observam uma casinha, tipo sapé, ficam encantados e logo a Graça quer uma fotografia na janelinha. Ao aproximar, descobre-se que é um ponto de venda de cocadas. Uma senhorinha, meio curva pelo peso da idade, os cumprimenta com delicadeza e passa a oferecer suas cocadas, segundo ela, “a única cocada assada do estado do Maranhão”, só faltou dizer que até o papa experimentara e teria aprovado suas cocadas.
Chico, sempre muito paciente, ficou ouvindo com muita atenção toda a história relatada, enquanto Graça explorava o local, fotografando aqui e ali. Numa embalagem bonitinha, artesanal, feita com palhas de banana e dentro de uma caixinha, também artesanal, eram oferecidas as apetitosas cocadas.
Num banquinho, um pote de vidro guardava pequenos quadradinhos, para que os clientes experimentassem o produto, a esta altura, o Chico já havia feito várias provas. Correu os olhos e viu a Graça fotografando um gato dormindo no fogão a lenha.
_ Graça, quer levar as cocadas? São muito boas.
_ Quanto custa?
_ 15,00 reais.
_ 15,00 reais uma caixinha com 10 cocadas minúsculas? Espantou-se a Graça, devido ao tamanho da guloseima e o preço.
_ Ah, mas, as minhas cocadas, a senhora não vai encontrar em nenhum outro lugar do Maranhão. São assadas e de coco fresco. Retrucou a senhora, sem nenhuma modesta.
_ Vamos Graça, compramos só uma caixinha. Insiste o Chico.
_ Não! Estou evitando doces. Estas viagens só me engordam. Teima Graça.
_ Não quer mesmo? Insiste.
Como a maioria dos casais em viagem, costumam fazer tudo em comum acordo, se a Graça não quer cocadas, Chico não compra cocadas.
De repente, uma voz marcante, num tom ríspido e recriminatório é ouvida no meio da conversa, era a senhora ao perceber que estava perdendo uma boa venda:
_ Deixa de *ruindade mulher! O homem aí todo caridoso querendo ajudar uma senhora necessitada, ajudar a alimentar uma senhora sozinha, querendo lhe fazer um agrado, levar para casa as melhores cocadas do Maranhão e você aí fazendo pouco caso! O seu marido é um bom homem, já você! Agradeça a Deus pelo marido que conseguiu sem nenhum merecimento!
Bom, para encurtar a história, o Chico acabou levando duas caixinhas de cocadas. A Graça saiu daquela casinha de sapé se sentindo uma megera e com uma lição: quando viajar, compre sempre as cocadas que aparecerem no seu roteiro.