Hospício

Mês passado passou, acabou faz tempo.

Este mês também já está quase no fim: faltam apenas dois dias para acabar.

E ainda não recebi meu extrato impresso do BRUP.

É que eu não sou tão digital assim por ser ainda um tanto analógico, compreendem?

Então não pude verificar minha movimentação bancária, certo?

Nem ver que novas tarifas o BRUP inventou e debitou em minha conta no mês passado.

Ah, sim, BRUP é o Banco Rural e Urbano de Pindorama, onde meus vencimentos são depositados mensalmente.

O BRUP é uma instituição financeira muito criativa e debitativa.

Melhor, o BRUP é mesmo uma coisa de louco, vive aprontando com meu dinheirinho.

Então resolvi me movimentar um pouco.

Desliguei a tevê, tirei a bunda da poltrona, fui até a agência reclamar.

Fui atendido por uma atendente sorridente.

Ela me fez algumas perguntas.

Para quê?

Para verificar se meu cadastro estava atualizado, ora.

Perguntou se o endereço continuava o mesmo.

Respondi que sim.

E meu telefone?

Continuava com o mesmo número, claro.

Depois perguntou, inacreditavelmente, se eu havia tomado todas as doses da vacina contra a covid-19!

Respondi que sim, mas perguntei: e se eu não tivesse tomado, o que isso tinha a ver com o sumiço do extrato?

Absolutamente nada, ela respondeu.

Continuamos: mesmo endereço, mesmo CEP, RG, CPF, mesmo número de telefone, nada havia mudado.

Mas e o meu sexo, continuava o mesmo? Ela quis saber isso também, eu juro!

Aí não aguentei: “A senhorita está de brincadeira comigo, não?”

“Claro que não, meu senhor! As coisas mudam muito rapidamente neste mundo. Saiu a gordura trans, que fazia mal a todo mundo e entrou o gênero trans, que agradou a muita gente. O senhor não acompanha o que acontece no mundo? E tenho de fazer todas essas perguntas para resolver o seu problema, percebe?”

“Perceber eu percebia, mas se nada mudou no meu cadastro, na minha documentação, na minha vida etc., onde é que o meu extrato bancário foi parar?”

Pequena pausa, depois a cena prosseguiu:

“Quanto ao seu extrato, não tenho a menor ideia de onde esteja. Acho melhor o senhor reclamar diretamente nos Correios.”

“Nos Correios?”

“Sim. E quando for, vá preparado, que lá também vão lhe fazer inúmeras perguntas, sabe como são as coisas no setor público, não sabe?”

“Podem perguntar à vontade. Meus dados não mudaram em tempo algum, nem aqui nem nos Correios: continuam com seis lados. E tampouco são dados viciados.”

“Meu senhor, que história é essa? Isto aqui é uma instituição financeira, não um cassino!”

“Pelas suas perguntas e pela minha última resposta parece mais um hospício.”

“Bem, em parte é mesmo, o senhor tem razão. Deixamos vários clientes loucos da vida com a montanha de tarifas que debitamos em suas contas. Agora mesmo o senhor está sendo debitado, sabia?”

“Debitado, como?! Só vim aqui reclamar que não recebi meu extrato do mês passado!”

“Pois é. Mas o senhor está ocupando o meu tempo e as instalações da agência. Então vamos lhe cobrar uma tarifa de ocupação.”

Sim, amigos, foi isso mesmo que ouvi, mas não acreditei e quis confirmação:

“Quer dizer então que mesmo que tenha razão, somente por vir até aqui reclamar, o cliente ainda é penalizado?”

“Exatamente!”

“E se elogiar o banco, o que é que ele ganha?”

“Não ganha nada, ué. É como se tivesse comprado um título de capitalização do BRUP. Ao resgatá-lo recebe o mesmo dinheiro aplicado no início ou até menos, o que é mais provável.”

“Título de capitalização... Não estou entendendo muito bem.”

“Meu senhor, nenhum banco dá nada de graça; se puder tira até o couro do cliente. De graça mesmo, somente o desconfortável banco ali da praça. Neste país, o banco da praça realmente é o único banco que é de graça.”

"Curioso: sabe que a senhorita tem rima e razão?"

"Tenho? Ah, obrigada!"

"Sabe que da última vez que alimentei os pombos aqui da praça o banco estava quente demais e queimei minha poupança? Minha bunda, quero dizer."

"Senhor: vou avisando. Falou palavrão, o banco cobra tarifa em dobro. E pela emissão de segunda via de extrato mensal também."

Ah, não: mais essa ainda!

Só quero ver quando a cópia do extrato mensal chegar; se é que vai chegar mesmo um dia.

Com um monte de tarifas debitadas em minha conta: aí vou ficar doido de raiva outra vez!

Tomara que o extrato não chegue nunca, então!

Como não adiantava reclamar mais e ainda correr o risco de ser penalizado novamente, com outra tarifa debitada em minha conta, o que fiz? Fui pra casa, tomei um enorme copo d'água para refrescar as ideias, depois liguei a tevê e me sentei na minha poltrona favorita.

Mas sabem o que aconteceu?

Naquele momento estavam exibindo justamente um comercial desse maldito BRUP!

Não é para o sujeito enlouquecer mesmo?