WHISKY E ESTRICNINA (BVIW)
A última pá de terra caiu sobre o caixão, e ela suspirou aliviada: o marido estava fora do radar. De longe, trocou um olhar enigmático com Afonso, seu jovem cozinheiro, que a seguiu de perto, à saída do cemitério.
No carro, tentaram ainda manter o clima de recente velório, mas a paixão falou mais alto: alheios ao "rush" infernal da Avenida Mem de Sá, agarraram-se aos beijos, atrapalhando o trânsito.
Em casa, correram as cortinas. Muito whisky e caviar, que o plano de Afonso para eliminar o Rei da Carne, tinha sido um sucesso: estricnina não falhava, e vinda numa boa dose de Red Label, redimia qualquer pecado. Estavam em paz.
Whisky e beijos, contudo, não eram tudo o que Afonso almejava. Em meio ao perfume dos finos lençóis de linho, ele olhou o cofre em aço cinzelado ao canto do quarto, e indagou de súbito:
— Qual é a senha?
O olhar perdido na maciez de cereja da boca do amante, ela apenas sussurrou:
— Não lembro mais.
Tema da semana: Não lembro mais (conto)