Minha volta por cima: negócios

A única vez em que perdi muito dinheiro, mesmo sendo bastante jovem então, não foi na bolsa de valores, mas foi por causa dela. Trabalhava num café próximo da bolsa, ali no centro da cidade. Alguns clientes, os mais bem vestidos e perfumados (usavam bons perfumes, claro, porque o odor intenso deles superava o aroma do café), às vezes me deixavam generosas gorjetas e durante um bocado de tempo me imaginei como um daqueles investidores ou funcionários que frequentavam o estabelecimento.

Estavam sempre falando em produtos financeiros diversos, diversificação (que não se devia colocar todos os ovos num mesmo cesto, coisas assim), mas a unanimidade, para quem queria enriquecer rápido, ganhar muito dinheiro, era mesmo montar um portfolio de ações, trabalhar bem nele, que os resultados logo seriam visíveis. Isso ficou martelando na minha cabeça e então passei a juntar às gorjetas parte do meu salário, que nem era muito, mas me esforcei bastante para economizar toda a grana que pudesse.

Durante dois anos quase passei fome então, morava mal, estudava à noite numa escola pública para completar o curso supletivo, fora do café usava roupas velhas e tênis idem, não ia às baladas, aos shows de artistas internacionais nem nacionais, a não ser os gratuitos, quase não me divertia nunca, nem mesmo uma pequena tatuagem mandei fazer algum dia, quase não tinha amigos. Isso tudo é muito triste para um jovem...

Enfim, o que eu pretendia com aquela economia maluca era juntar certa quantia que me permitisse comprar papéis bastante rentáveis através de alguma corretora ou banco de investimentos, papeis esses que poderiam me dar um excelente retorno financeiro dali a algum tempo, me tornar rico ainda jovem ou ao menos me deixar muito bem de vida. Essa motivação toda é claro que era consequência direta das conversas dos clientes do café que eu tentava ouvir avidamente.

Tempos depois, num dia de folga, quando eu já havia juntado uma boa quantia, por precaução convertida em dólares e euros, muito mais valorizados do que nossa moeda naquele momento (na verdade, sempre mais valorizados), vesti minhas melhores roupas, calcei meus sapatos (que pareciam novos pois eu os usava raramente), pus relógio no pulso e peguei meu celular pouquíssimo usado (ia ligar pra quem?), tudo para impressionar o pessoal da corretora, botei todo o dinheiro no bolso da calça e me dirigi a uma corretora de valores que João Vitor, um dos clientes do café, me havia recomendado.

Isso foi de uma vez em que ele estava sozinho: João Vitor, além de sempre me deixar uma pequena gorjeta, nunca me pareceu antipático ou convencido como outros jovens em início de carreira na bolsa e nas corretoras, enfim, era um sujeito legal. Daí que lhe falei da vontade de me tornar investidor, o que ele achou ser uma ótima atitude de minha parte. Falou outras coisas bonitas, estimulantes, incentivadoras: pensei que havia chegado o momento de iniciar minha auspiciosa vida de investidor e futuro milionário, quem sabe?

Mas então aconteceu o pior... No caminho para a corretora, uns trombadinhas, três futuros marginais que certamente um dia ainda se tornariam membros daquela conhecida organização criminosa da capital, me cercaram numa rua meio deserta do centro e percebi logo o que iria acontecer em seguida. Um dos pivetes, com um pontudo canivete na mão (ou seria um punhal, não consegui distinguir direito tamanho foi o pânico que tomou conta de mim) me falou: “o bolso ou a vida!”. O que eu podia fazer? Corrigir o bandidinho, dizer que o correto seria ele me ameaçar com a clássica “a bolsa ou a vida” e depois sair correndo? Não, claro, os outros dois me cercaram pelas costas então entreguei tudo que eu tinha no bolso, mais o relógio e o celular. Que dor, senhor!

Foi desse triste modo que a bolsa de valores perdeu um grande investidor e a sociedade ganhou mais um meliante soltinho pelas ruas e avenidas de Sampa. Hoje em dia faturando uma grana muito boa como receptor de joias, celulares e relógios roubados, depois vendidos por preços compensadores para alguns trouxas. Mas continuo trabalhando no café em meio período, o que rende mais do que meu sustento e também ajuda a disfarçar esse meu outro modo de “investir”, subir na vida.

E não pensem que desisti de meus sonhos...

(Ueldisson P. dos Santos Mártires – São Paulo, BR)