Noivados e casamentos

Tio Hamilton é um safado! Alguns o definiam assim, outros diziam que ele sabia viver e que conseguia fazer o que queria sem magoar as pessoas que amava. Duas maneiras de ver o problema de dois lados diferentes. Quem era enganado o definia como safado, quem era seu amigo ou invejava o seu modo de vida, o definia como uma pessoa que sabe viver. Na realidade, ele era um safado com “jogo de cintura”. Era uma boa pessoa, mas tinha um amor oceânico por todas as mulheres deste planeta. Vivia a serviço delas, era o que dizia para se defender.

Tia Ângela sabia das suas histórias de namoros, paqueras e outros rolos e fingia não saber. Não sei se por amor ou indiferença ou comodidade. Ele era gentil, dizia que a amava cumpria com suas obrigações de marido, era um pai amoroso. As pessoas comentavam que Tia Ângela nunca se queixou ou falou deste assunto, nem com suas amigas , nem com seus parentes.

A nova paixão de tia Hamilton “era uma moça de família criada para casar e ter filhos”, dizia ele para os amigos. Para conquistar a moça passou a frequentar a sua casa e ficou noivo com aliança e tudo. Tio Hamilton era médico, plantonista de CTI em uma época que não existia redes sociais e nem celulares para registrar a vida. Usava os seus plantões como desculpas para as suas ausências e com a nova paixão estava cada vez mais abusado nestas ausências.

O seu noivado foi em um sábado com festa de família, troca de alianças e pedido de casamento. A festa estava linda, tinha até música ao vivo! Ele fez o pedido acompanhado de discurso e da banda cantando de fundo “como é grande o meu amor por você”, trocaram as alianças, cortaram o bolo de mãos dadas e fizeram o brinde com espumante.

Tio Hamilton esqueceu do tempo e da hora que o seu plantão iria terminar e das suas obrigações de marido e pai com a sua outra família. Quando lembrou já era de madrugada, mas não se afobou. Tia Ângela sabia como os plantões de CTI eram imprevisíveis, era só dizer que o plantonista da noite não foi e ele teve que ficar no seu lugar. O serviço era tanto que não deu tempo de avisar, diria ele.

A festa acabou de madrugada, tio Hamilton despediu de todos e calmamente, esta era uma das muitas habilidades que Tio Hamilton desenvolveu para levar a vida dupla, muitas vezes tripla que tinha. Pois então, calmamente, foi pegar o seu carro que estava estacionado na rua em frente à casa da noiva.

O carro não estava lá. Demorou um tempo para Tio Hamilton entender que foi roubado. Voltou para a casa da noiva, chamou polícia, esperou polícia chegar, deu os detalhes e saiu também procurando pelo carro. Ele não tinha seguro e a sua pasta de trabalho estava no porta malas com equipamentos caros que precisava para trabalhar. Antes, lembrou de ligar para tia Ângela, contando que ao sair do plantão viu que seu carro foi roubado e estava procurando por ele. Tia Ângela como sempre muito compreensiva, habilidade adquirida na lida com os problemas de tio Hamilton, disse que não tinha problema.

— Demore o tempo que precisar meu amor. Aqui está tudo bem!

O outro dia chegou sem que tio Hamilton achasse o carro e nem teve notícia da polícia. Resolveu que estava na hora de voltar para casa. Ao entrar pelo portão viu seu carro na garagem, com o porta mala aberto, cheio de malas. No volante um bilhete:

“Com o passar do tempo aprendemos a descartar porcarias e tudo que nos faz mal. Chega! Não tente entrar em casa, troquei o segredo das fechaduras. "

Márcia Cris Almeida

24/03/2023