Pintou um clima irlandês...

O verão na Irlanda, vale dizer, em toda a Grã-Bretanha, para ser climaticamente preciso (os meteorologistas afirmam que sim, é possível), dura apenas um dia, mas não se tem certeza absoluta de quando isso possa ocorrer: apenas os meteorologistas a serviço (secreto) de Sua Majestade (deles) sabiam o dia exato com antecedência e informavam o palácio real.

Não para que a soberana de pele branca, cheia de veias azuis (o sangue também), colocasse seu biquíni real e fosse à praia de Londres, que não existia, além do que a rainha nunca usava biquíni nem ia a praia alguma; ia apenas ao trono, regularmente. Mas para que suas criadas tirassem do armário e pusessem ao sol as íntimas roupas reais emboloradas e cheias de teias de aranha.

Como a rainha detinha o chamado monopólio real do dia de verão, direito de Windsor e Balmoral muito antigo, fazia dele o que bem entendia. Como ela morreu em setembro passado, muita gente perdeu seu emprego real e não se sabe o que vai acontecer com o dia real de verão. Agora quem vai fazer o que bem entender com ele será aquele feioso filho dela, seu sucessor no palácio de Buckingham.

Desde os memoráveis tempos de Shakespeare, os habitantes das terras do norte acalentavam o sonho de um dia e uma noite de verão - naqueles tempos teatrais já ninguém ia à praia mesmo; iam às tavernas e ao teatro shakespeariano -, para, repousadamente, ouvir estrelas sem risco de tomar chuva ou ficar grogue de fog.

Pouca coisa desse desejo mudou de lá para cá. Exceto que Shakespeare continua sendo encenado como nunca mundo afora enquanto que as empresas inglesas, irlandesas, galesas e escocesas que insistiram em produzir protetores solares para consumo interno faliram.

Mas num desses dias, nas costas da verde-esmeralda Irlanda, mais exatamente na pequena ilha de Huxley, vários quilômetros quadrados ao sul de Dublin, as águas oceânicas apresentavam-se costumeiramente frias, quase proibindo os banhos de mar dos praianos mais friorentos. Àquela indeterminada hora da tarde havia poucas pessoas na praia de Huxley, não somente ali, mas em toda a orla irlandesa. Os bares e pubs, ao contrário, estavam cheios, como sempre.

Um mês após o Bloomsday, sempre comemorado em 16 de junho, ainda havia muita gente bebemorando, dando continuidade às festividades etílicas anuais devotadas ao santo padroeiro da nação irlandesa, o escritor James Joyce. Sempre um bom motivo para beber e ler os rótulos das inúmeras garrafas vazias, consumidas avidamente que foram. Ao contrário do livro dele, Ulysses, que poucos conseguiam ler sem estar bêbados.

Costumeiramente, apenas uns poucos turistas do Pólo Norte costumavam enfrentar as frias águas irlandesas, sempre nus, como as focas locais, apesar da advertência do departamento de turismo irlandês para que usassem maiôs. Não que o nudismo ofendesse a moral ou os bons costumes etílicos de qualquer cidadão irlandês. Na verdade, ofendia a estética: alguém já tinha visto um único adepto do nudismo de corpo bonito por ali? Jamais!

Somente gente feia ou velha, exibindo despudoradamente suas banhas e pelancas, gostava de praticar nudismo em Huxley. Ou em boa parte do mundo do conhecido fotógrafo Spencer Tunick. Muito conhecido por fotografar multidões nuas.

Por não apreciar feios corpos e bundas brancas - ainda na manhã daquela tarde estivera entre os banhistas uma velha assanhada de peitos caídos e o resto também. Pulara as ondas com sua imensa bunda branca, quase tão branca quanto a bunda finlandesa que tradicionalmente ganhava o concurso de bunda mais alva do mundo no concurso anual de Budapeste -, a maioria dos moradores de Huxley ficava bebendo nos dezoito ou vinte pubs espalhados pelas quatro ou cinco ruelas da ilha.

É que para além da questão estética havia a questão etílica: irlandeses estabelecidos em qualquer parte do globo sempre preferiram ficar contemplando um (até mesmo pequeno) copo de bebida do que um (imenso) oceano de água salgada, que não se pode beber afinal, ainda que nele se possa afogar mágoas. Definitivamente, irlandeses vão ao bar não ao mar; exceto marinheiros e congêneres, que vão aos dois. Ou então ficam em casa e se dedicam à poesia e à prosa, o que é outra história, ou várias outras histórias.

Não sou irlandês nem exagerei tanto assim na bebida hoje, mas vou parando por aqui porque as letras desse texto estão dançando, me deixando mareado e eu não quero vomitar no teclado do computador. Argh!