O som do trompete
Começou quando meu irmão veio para Milão e nos encontramos. Eu e Atena ficamos felizes ao ver o Shadow aqui. Passeamos pela cidade eu o levei a museus e lhe mostrei alguns quadros que eu havia restaurado.
Shadow estava aqui para tocar no Blues Note Milano, uma casa de Jazz com filiais pelo mundo. Meu irmão tocava com um quarteto de jazz. Ele era saxofonista. Quando éramos mais novos tocávamos, eu guitarra e voz e ele no baixo. Depois aprendeu a tocar outros instrumentos. Eu cheguei a tocar trompete e tocamos uma ou duas vezes uns longos anos atrás.
A música sempre esteve no nosso sangue, mas devido algumas coisas eu acabei e desviando.
Quando chega à noite eu e Atena nos arrumamos. Ela maravilhosa em um jeans, blusa com gola role e um casaco. Eu fico admirando- a por um longo tempo. Mesmo casado com ela e olhando- a todo dia, não me cansaço de admirar sua beleza. Para a ocasião da noite especial eu visto um terno verde escuro com uma camisa abotoada até a gola de cor verde oliva.
Numa mesa perto do palco, bebemos vinho e olhamos a banda do meu irmão. Ele toca como se tivesse possuído e eu me lembro dos nossos tempos juntos de banda. Ouvi uma época em que eu rodei os Estados Unidos numa caminhonete tocando pelos bares. Mas isso foi em outra vida.
Interrompo meus pensamentos quando meu irmão termina seu set. Ele vem até a nossa mesa. Nós o cumprimentamos e conversamos. Atena está entusiasmada com o show. Eu também.
Meu irmão se despede de nós e vai para o segundo set. Toca várias músicas e improvisa outras.
Senhoras e senhores é um prazer tocar para vocês ainda mais nessa noite especial. Para encerrar queria que meu irmão viesse aqui em cima e tocasse comigo. Pessoal recebam Gideon Argov!!
Sou pego desprevenido. Feliz minha Atena aperta minha mão me encorajando. Seu sorriso é lindo. Eu subo ao palco e olho meu irmão. Com um ar travesso ele senta no banco e dedilha algo no piano. Sua banda sorri me olhando todos estão me encarando.
A tensão e o nervosismo me abandonam. Como quando analiso um quadro para restaurá-lo minha mente acessa minha biblioteca mental. Num canto empoeirado retiro minha habilidade com o trompete. Em outra prateleira acesso as músicas. Sorrio e pego o trompete que me dão.
Que tal “My funny valentine”?
Eles concordam. Nada mal começar com Chet Baker.
Toco o trompete. Na primeira nota meu corpo esquenta. Sou tomado por uma velha sensação conhecida e esquecida. Me entrego na melodia. Quando canto minha voz sai lenta e baixa quase num sussurro. Sem perceber é o tom que está harmonizando com o piano que meu irmão toca. Depois tocamos Miles Davis e o público embarca na nossa.
De repente é como se tocássemos desde sempre. O improviso é sincrônico e perfeito. O público parecesse em transe. Eu também estou. O que era para ser uma música acaba virando três. Terminamos com John Coltrane. O público bate palmas e assobia. Todos indo ao delírio. Abraço meu irmão e os músicos. Agradeço volto para mesa e sou cumprimentado por todos. O melhor é Atena que se joga em meus braços e me enche de beijos. Sinto meu sangue fervendo e adrenalina tomando conta.
Ao sair o dono me entrega um cartão e pede para eu ligar para ele.
Saio abraçado com Atena e assobiando a melodia de Chet Baker.
Wesley Rezende