Liz
O telefone tocou exatamente as dez da manhã. Como se fosse um alarme, ou algo premeditado.
Liz esticou o braço e desbloqueou a tela. Uma mensagem tinha acabado de chegar.
“Por favor. Preciso que você venha buscar suas coisas”
Liz ficou um tempo encarando a tela sem saber o que responder. Depois de alguns segundos digitou a resposta.
“Você poderia mandar entregar aqui?”
Não demorou muito, outra mensagem chegou.
“Não, venha buscar.”
Liz largou o celular de lado e ficou com os olhos cravados no teto, pensando se valeria a pena o desgaste. Finalmente, mesmo sabendo que provavelmente era a coisa errada a se fazer, ela se levantou, pôs uma roupa e pediu um Uber.
Durante a viagem não conseguiu tirar a mente das tantas vezes que tinha feito aquele caminho em direção a casa dele no passado, quase sempre ansiosa para vê-lo.
Dessa vez, no entanto, a sensação era apenas de tristeza e de derrota.
Quando chegou na frente da casa de Antônio, Liz pagou a viagem e desceu do carro.
Tocou a campainha e ele abriu a porta.
- Bom dia. - Ela disse.
- Bom dia. - Ele respondeu com um sorriso no canto da boca.
- Você juntou as minhas coisas?
- Estão no meu armário. No mesmo lugar que você deixou.
- Você não separou tudo?
- Não quis me dar o trabalho.
- Por que você é assim, hein?
- Você acabou comigo no meio do carnaval, ora. Estive um pouco ocupado.
- O que o carnaval tem a ver com isso?
- Isso você que tem que me dizer, Liz.
- Olha. Só quero as minhas coisas, pode ser?
- Pode. Você sabe o caminho do quarto.
Ele virou as costas e foi andando na frente. Liz respirou fundo e seguiu atrás.
Ao entrar no quarto, Liz não conseguiu deixar de perceber uma mulher dormindo na cama. Pelos cabelos inconfundivelmente ruivos, ela percebeu logo que se tratava de uma ex-namorada de Antônio.
Liz conteve a urgência de chorar, abriu o armário, juntou todas as suas coisas da melhor forma que podia carregar e seguiu para o lado de fora.
Antônio foi atrás dela e quando já estavam no quintal, Liz não conseguiu mais segurar as lágrimas.
- Puta merda, Antônio. Isso é baixo até pra você. - Ela falou sem se virar pra ele.
- E o que você fez comigo? Você acabou comigo num sábado de carnaval.
- E daí? Você sabe muito bem que não estava mais dando certo.
- Ou talvez você só quisesse passar o carnaval sem mim.
Finalmente Liz se virou para ele, com os olhos cobertos de lágrimas.
- Se você acha isso de mim, é porque não me conhece nem um pouco.
Eles ficaram se encarando por alguns momentos, mas Antônio permaneceu em silêncio. Então Liz se virou novamente e caminhou em direção ao portão.
Ele aproximou e falou, quando já estavam quase do lado de fora.
- Não adianta fazer um showzinho. Você que me obrigou a fazer isso.
Sem pensar, Liz largou o pacote com suas coisas no chão, se virou e acertou dois socos no nariz de Antônio.
Em instantes havia sangue escorrendo do nariz, cobrindo o rosto e respingando no chão.
Ele levou as mãos até o nariz e ao perceber o sangue entre os dedos, ficou encarando Liz. Perplexo.
- Desculpe. Mas você me obrigou a fazer isso, Antônio - Ela disse friamente, antes de recolher o pacote do chão e seguir pra o lado de fora.
Liz pegou o primeiro ônibus que passou, sem se preocupar com o destino.
Passou a viagem inteira com o olhar perdido do lado de fora da janela, revisitando memórias que já queria ter esquecido. Quando o ônibus parou no terminal, ela se levantou e deixou o pacote no lugar onde estava, decidida enfim, a deixar tudo aquilo para trás.