aniversário - BVIW
O quarto estava na penumbra, se bem que a tarde ainda não tivesse ido embora. 88 anos eram dois infinitos. Olhou-se no espelho. Rugas, cabelos completamente brancos. Nenhuma comemoração nesse aniversário. Envelhecer às vezes significa solidão. Para ele, tinha sido assim. Chegou à beira da janela, escancarou as venezianas. Como um presente, eis que o mundo acontecia. Procurou os óculos e achou-os caídos sobre o tapete. Teve a natural dificuldade para erguê-los do chão até o nariz. Lá fora, era agora um nítido espetáculo de cor. O pôr do sol em Belo Horizonte nunca decepcionava. Fechou os olhos. No vento, veio o perfume da rua: automóveis, uma roseira anônima. Barulho de folhas agitadas, quase imperceptível. Uma abelha atravessou o ar, zumbindo a alegria da sua vida curta. E ele sentiu uma grande nostalgia do mundo, apesar de ainda estar ali. Abriu os olhos, e Seu Geraldo cruzava a esquina. Acenou e gritou "Adeus, ó Geraldo!", e a vizinha da janela em frente sorriu.