Nada como um bom casamento

Laura é nossa única filha. Nasceu em casa, magrelinha e cabeluda, com apoio de Sinhá Tatá, a única parteira de Campos Elíseos, a nossa pequena cidade que mal aparece no mapa. A nossa ideia era de que seria a primeira de uma penca de filhos que queríamos ter; mas o destino não quis assim, já que as regras de Silma, a minha mulher, não mais apareceram nos seus quarenta anos de idade. Teve menopausa precoce. E assim Laura transformou-se no nosso universo. Por ela trabalhamos na lavoura de sol a sol, amamos, nos reinventamos e construimos um futuro promissor para a nossa filha, com absolutamente tudo bem determinado e organizado para que ela se torne uma mulher digna da família que formará. Afinal, estamos ansiosos por netos para preencherem os nossos dias. Agora sim teremos condições de ter uma grande família.

Construímos até uma casa confortável a poucos metros da nossa, com mobília bonita, um grande fogão à lenha e chuveiro à álcool. Uma beleza. Tudo para a nossa filha, que está terminando o colégio e já sabe ler e escrever. Além do mais, já borda, costura e fia na roca. Aprendeu tudo com a mãe.

Chegaram os seus quinze anos, a idade da donzela, a idade da menina tornar-se mulher e enveredar-se para um casamento, preferencialmente um bom casamento, que garanta um bom futuro, com abundância de terras para plantar e colher.

Eu nascí muito pobre e sempre sonhei em ter a minha terra, o meu chão para plantar e pudesse, com a colheita, fazer escambo com o que precisasse para manter a minha família. Aos poucos fui conquistando o pouco que tenho, mas que tem um valor imenso para mim.

Em conversa com Jonas na taberna, há bastante tempo, venho costurando as minhas ideias em relação ao futuro de Laura. Afinal, Jonas é o meu melhor amigo e tem um sobrinho que herdou boas terras pelas bandas do Ribeirão e por lá ficou administrando-as, com o auxílio de alguns homens. Mas não é feliz por lá em função do intenso calor e das lembranças da sua mãezinha, que padeceu na cama por dez anos. Jonas, por sua vez, está velho e mal dando conta do pouco que tem, plantando praticamente só para a sua subsistência. Adora o sobrinho e, no meu pensamento, pensei em sacudir com as intenções dos dois.

Mansamente fui convencendo o meu amigo que ele deveria pensar na solidão do sobrinho e na sua velhice, associada à mesma solidão. Quanto às terras do sobrinho, um bom negócio poderia ser feito, já que Zé Hilário, meu primo, negociante como ninguém, reside próximo do Ribeirão e poderá ajudar na transação. E também há possibilidade de troca de terras, uma vez que meu compadre Jomar quer sair de Campos Elíseos em função de uma decepção amorosa. Pegou Ludmila, a mulher, na cama com o vizinho de frente. Nunca mais prestou.

E as conversas foram se intensificando e Jonas ficando esperançado. Não foi preciso muito tempo para chamar o sobrinho, de nome Licurgo, para passar uns dias no seu pequeno sítio.

Conhecí Licurgo na taberna junto ao tio e, de pronto oferecí Laura. A minha princesa merecia uma vida com ele, homem de bem, sobrinho de amigo meu, cheio de boas intenções. Além do mais, quando ele conhecer Laura, certamente se enamorará, pois Laura tem lábios cor de mel, olhar sereno como o luar e uma candura pouco vista nas meninas-moças destas redondezas.

Licurgo, para minha surpresa, já estava em negociação com as suas terras com um grande fazendeiro de Ribeirão mesmo. Só não sabia para que lado ia. Se para Campos Elíseos ou para Paratinga, cidade onde residia sua irmã. Mas com a possibilidade de um casamento tão bem definido, decidiu voltar-se para Campos.

E hoje cedo pedí à Silma que mate a galinha mais gorda do galinheiro e prepare uma mesa bem bonita, porque será hoje que Laura conhecerá o seu futuro marido. Também aproveitei e pedí à Silma que convença Laura a vestir o seu vestido de organza, confeccionado na cidade grande para o seus quinze anos, e arremate o cabelo com aquela fita larga de cetim. Ela se transformará novamente na princesa que se transformou na sua festa no salão paroquial da igreja, há exatos dois meses. Eu não tenho a menor dúvida de que ela gostará de Licurgo, porque ele é alto, garboso, tem bigode bem desenhado e um lombo de dar gosto à qualquer mulher. Farei surpresa, a melhor surpresa que Laura possa imaginar. Nem a Silma sabe.

Rosalva Rocha

05/05/2022

Conto publicado no PROSA NA VARANDA 7 - 2023

Rosalva
Enviado por Rosalva em 07/03/2023
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