__________TREM DAS DEZ
“Procura-se moça solteira, de boa aparência, de bons costumes e de boa família para futuro compromisso. Ps. pede-se foto na primeira carta”. Decidida, Maria fechou a revista de fotonovelas em que lera o anúncio. Ia tentar mais uma vez. Tinha prometido a si mesma um marido em Goiânia. Ali na roça, destino certo mesmo era o caritó.
A resposta de Ediberto chegou ao povoado pelo trem das dez, que passava às terças. Um mensageiro foi ao Ribeirão levar o envelope rosado e cheiroso. Noite alta, à luz da lamparina, Maria ainda contemplava no 3x4 o moço bonito, de olhos claros e cabelos alourados. Feito. Estava namorando.
Ao fim do ano, Ediberto chegou em fraque e chapéu. Noivado, enxoval, casamento, moradia na capital: a vida deslizava célere nas estações do tempo. Pelos dezembros afora, eles haveriam de vir para o Natal, trazendo o corado casal de filhos.
Aos mais de 40 anos de casados, a vida se assentou. A menina casou, o menino foi estudar nas lonjuras. O casal, sem mais o que fazer, tomou posse das terras herdadas no Ribeirão.
Um dia, Ediberto foi à Goiânia resolver pendências. De lá, nunca mais voltou. Maria recebeu pelo trem das dez um bilhete breve e seco, num envelope sem cor e sem cheiro. Aos últimos raios do sol, descambando nas ranhuras da serra, ela leu com olhos de solidão.
— Perdão, eu perdi o trem... Das nossas vidas.
Tema da semana: Perdi o trem (conto)