A culpa foi do reboco
Reboco, palavra originada do árabe “rabuq”, é aquela argamassa que usamos para alisar paredes, preparando-a para receber cal ou pintura. Aliás, no caso de paredes com tijolos ou blocos, temos que percorrer quatro etapas: chapisco, emboço, reboco e a massa corrida. Mas isso é assunto para um blog de construção civil e está aqui só para ilustrar um caso que aconteceu na noite de um Dia dos Namorados.
A cachorra Filó dormia placidamente enquanto o casal lutava para assistir na televisão um filme ruim de doer, sem despencar no sofá, completamente vencidos pela mediocridade e o sono.
De repente, um barulhão enorme no silêncio do bairro: alguma coisa caiu na na área externa do apartamento, onde ficava um pequeno jardim. Imediatamente todos acordaram e a vizinhança correu para janela.
– Caramba, alguém saltou aí fora!
– Como assim, suicídio?
– É!
– Não parecia gente, mas pode ser um gambá que escorregou lá de cima.
– Você consegue ver alguma coisa da janela?
– Não, o jardim está escuro, temos que ir lá, já viu a comoção que está provocando.
O homem pegou uma lanterna e junto com a mulher e a cachorra foram checar o que tinha acontecido. Para alívio de todos não havia corpo algum, as plantas estavam intactas e nenhum sinal de gambá ou outro animal qualquer. O piso, no entanto, estava cheio de pedaços quebrados de reboco do prédio ao lado.
A vizinha do andar de cima, assustada, mostrava seu prejuízo, a persiana do quarto quebrada. A lanterna, na verdade uma lanterninha de leds do tamanho de uma canetinha, mal iluminava o "cenário do acidente".
Foi isso, foi aquilo, cadê o síndico, cadê a polícia, ainda bem não machucou ninguém, o reboco quase se transformou em um convescote. Sem conclusão alguma, o casal trancou a casa e foi dormir, desta vez na cama mesmo. Ainda houve tempo para encerrar a aventura com a pergunta que não queria calar, desde que o incidente começou:
– Já imaginou se fosse um suicida? Sabe como é o Dia dos Namorados, o cara solitário, deprimido, uma ótima data para morrer. E a gente ia passar a noite na delegacia prestando depoimentos.
A mulher sequer respondeu. A essa altura, dormia o sono dos justos. Ou dos inocentes, vai saber!