O Ignorante

Deitou na cama, acendeu um cigarro e ficou olhando o teto. Embalado pela melancolia de The Same Boy You’ve Always Known, fechava os olhos e conseguia, em seus pensamentos, vê-la como a viu pela primeira vez. Respirava fundo e no lugar do cheiro da fumaça do indonésio de menta, sentia o perfume dos cabelos dela, como quando o sentiu pela primeira vez. Revirava-se na cama enquanto seu estômago se embrulhava com a lembrança dela, sentada e abraçada com aquele sujeito que ele só conhecia de vista. Aquele desejo irracional, porém relativamente comum, de viver nos anos 60 e 70, agora lhe parecia engraçado.

Sexo, drogas e rock’n’roll, aquele velho clichê. Ignorava o fato de que o Rock daquela época não era o “original”, então, ele não tinha lá muita razão em criticar as bandas que surgiram a partir dos anos 80, afirmando categoricamente que o Rock morrera afogado no vômito de John Bonham, que morreu engasgado com o mesmo, ocasionando no fim da maior banda de Rock de todos os tempos, na sua opinião. Considerava o Rock da segunda metade dos anos 60 como o verdadeiro porque na verdade nunca gostara e nem se importara com Elvis Presley, Chuck Berry e afins. Em contrapartida, ficava enfurecido quando alguém dizia que o que ele ouvia era música de velho. Em todo caso, original ou não, o Rock agora lhe fazia companhia.

Ignorava também o fato de que a ruína do movimento hippie foi o uso excessivo de drogas. “Não uso drogas... sintéticas!” era o que dizia, com orgulho, provocando o riso de quem estivesse ouvindo. Mal sabiam essas pessoas que ele falava sério. Isto é, até o momento em que decidiu provar anfetaminas. Enfim, ignorava o fato de que ele mesmo, tanto quanto os seus adorados hippies, perdeu o controle sobre si mesmo, e tornou-se um daqueles “que por fraqueza de espírito viciam-se em todos os tipos de substâncias e sujam a imagem dos psicoativos, que sempre foram usados por diversas civilizações.” Justamente, um dos tipos de pessoas que ele mais odiava. E em todo caso, apesar dos vícios terríveis que adquiriu, contentava-se com o cigarro como anestésico da dor-de-cotovelo.

E por último, e não menos importante, ignorava o fato de que não conseguiria conviver com a filosofia do amor livre. Já se achava estranho o bastante por ser o único a ter perdido a virgindade mas nunca ter beijado uma mulher aos vinte anos de idade. “Eu não beijo prostitutas”, disse o seu amigo “e não recomendo que ninguém o faça”. Ele seguiu o conselho à risca. Só que o que ninguém sabia era que não eram beijos nem sexo o que ele mais ansiava. Era algo que só ela poderia lhe dar, e que por algum momento ele achou que teve. Nunca tinha tido uma namorada, nem tido nenhum tipo relação além de amizade com mulheres, então, tinha grande dificuldade em saber se só estava “ficando” ou namorando com ela de fato. A resposta, ele teve, ao vê-la abraçada com o tal sujeito. Por parte dela, não parecia ter havido grande interesse nele, além do desejo momentâneo. Por parte dele não... por parte dele havia algo mais, com certeza.

E aquele desejo de se viver na era dos hippies, era uma coisa engraçada agora porque se ele já era capaz de se envolver e se entregar pra uma pessoa depois de simples amassos, ele não poderia se apaixonar por alguém depois de uma transa descompromissada? Ignorava muitas coisas, sobretudo, a si mesmo.

E sentia uma vontade enorme de dar uma surra em quem disse que a ignorância é uma bênção.