Delirium
_ O que vocês estão fazendo aí? – pergunta o homem ao ver uns jovens se drogando ao lado do portão de sua casa.
_ Nada, señor, só estamos nos divertindo. – respondeu o jovem com sotaque espanhol.
_ Estão se drogando não é? Vão fazer isso pra lá, eu tenho filhos e não quero que ele veja isso. – pediu o homem.
_ Estas bien señor, já estamos indo. – respondeu o jovem.
_ Só por curiosidade, o que vocês estão usando. – perguntou o homem curioso.
_ É mescalina señor! Dá um barato legal, e também tranqüiliza, sabes como é o dia estressante. Mas não conte pros fardados, eles já nos viram antes. – contou o jovem.
_ Tranqüilizante? – perguntou o homem que é um executivo e trabalha mais de doze horas por dia no puro estresse que seu trabalho proporciona.
_ É sim señor, quer experimentar? Vejo em você um hombre de negócios, sempre muito ocupado, sem tempo e que nunca se descansa. – disse o jovem oferecendo a droga.
O homem pensou, pensou e pensou. Nunca tinha ingerido droga nenhuma no corpo, só fuma alguns cigarros, mas só quando chega no limite da tensão. Não veria mal algum em experimentar a tal droga. Olhou pros dois lados, não viu ninguém e também eram quase dez horas da noite. Depois de checar tudo fez um sim com a cabeça e o jovem que estava acompanhado de outro, preparou pra que ele experimentasse.
_ Mas faz bem pouco.
_ Sim señor, és um marinheiro de primera viagem e que viagem terás. Não se assuste!
Depois de preparado, o homem tragou algumas vezes e jogou fora e nem se despediu dos garotos.
Oscar acordou cedo como de costume e foi tomar seu banho. Depois tomou café e saiu sem fazer barulho. A noite foi estranha, com sonhos além do normal. Fechou a porta e foi até o carro. Entrou e deu ignição e pra sua surpresa não ligou. Girou a chave mais uma vez e nada. Estranhou, pois o tanque estava quase cheio. Bateria? Até pode ser. Oscar não entende muito de carro, mas seu vizinho sabe, entretanto as seis horas da manhã será difícil achar alguém que lhe ajude. Sem paciência, ele saiu pelo portão e decidiu ir de ônibus.
Há anos não tomava um ônibus, só sabia dos pontos porque enxergava do carro e também sabia qual ônibus pegar porque sempre ouve as meninas do escritório comentando sobre os ônibus e seus causos. Naquela hora o ponto estava vazio, até que chegou um homem, que por sinal, muito mal vestido, um verdadeiro maltrapilho. Pra sorte de Oscar o seu ônibus chegou, mas pro seu azar o homem maltrapilho também embarcou junto. Ele pagou sua passagem e foi sentar lá no ultimo banco e imaginou que o homem fosse sentar na frente e quem sabe convencer o motorista a lhe dar carona. Oscar se enganou, pois o homem pagou passagem e foi sentar do seu lado. O ônibus tomou seu rumo e Oscar começou a sentir uma tontura e a enxergar tudo embaçado e diferente. Olhava na rua e via pessoas andando de ponta cabeça. Virou sua atenção pra dentro do ônibus e o homem estranho continuava do seu lado e este o observava atentamente. De repente o homem lhe falou.
_ Você não está sonhando! Todos estão contra você!
_ O que você disse? – perguntou Oscar.
_ Disse nada moço, mas eu ia comentar que lá fora ta rolando uma revolução.
_ É normal, até parece que não conhece a avenida Paulista.
_ Ô moço, sou daqui não. Sou lá do Acre!
Oscar nem deu atenção ao que o homem disse e ao voltar sua atenção pro lado de fora viu que um enorme congestionamento se formava. Como o prédio do escritório não estava muito longe, ele resolveu dar o sinal e descer ali mesmo no Trianon. Depois de ter descido Oscar foi caminhando sem muita pressa, ainda eram sete e vinte. Enquanto caminhava resolveu observar todos ao seu redor e sentir a atmosfera que circunda a avenida. Tão misteriosa e tão cheia de vida. Ficou nessa divagação até ser abordado por uma velha senhora que lhe falou.
_ Não só todos, como você mesmo está!
_ O que disse?
_ Onde fica o viaduto do Chá? – repetiu a senhora.
_ Muito longe daqui. – respondeu Oscar incomodado com que a senhora disse pela primeira vez. Será que ele está ouvindo coisas? Ele também reparou que as pessoas assumem formas estranhas quando lhe falam, as feições ficam agressivas e quando pede pra repetir tudo volta ao normal. Voltou a si e continuou sua caminhando, mas ainda pôde ouvir a senhora dizendo – Seu arrogante! E logo em seguido sendo amparada por outra pessoa.
Estava tudo muito estranho aquele começo de dia para Oscar, mais estranho ficou quando ao atravessar a rua sem olhar pra lado nenhum quase foi atropelado e ainda ser advertido pelo motorista.
_ Você acredita em coincidências?
Oscar ficou parado sem entender. Não pediu pra repetir e nem foi preciso, pois o motorista voltou a dizer.
_ Vai ficar ai parado mesmo?
Oscar voltou a si e continuou atravessando a rua e quando chegou na calçada seu telefone celular tocou:
_ Alô!
_ O que você vai fazer quando sua mulher te deixar? – perguntou a voz que ele não reconheceu.
_ Como é?
_ Desculpa, foi engano. – e a pessoa desligou.
Ele já não estava entendendo mais nada e a tontura voltou, a visão novamente distorcida, ouvia seu nome nas bocas das pessoas que passavam. Não agüentou e num muro se escorou e sentou no chão. Olhou pro chão por alguns segundos e quando levantou a cabeça viu Rose, uma colega de trabalho que lhe disse:
_ E os cheques sem fundos? A dívida não paga? E se o seu filho chorar ao saber que você não irá mais voltar?
_ O que você disse?
_ O que você faz ai sentado? Não acha que está atrasado? E se a reunião já estiver começado?
_ Ahh! Eu comecei a sentir tontura, fiquei sem poder andar. – disse Oscar.
Rose pegou Oscar pela mão e o puxou e os dois foram juntos para o escritório. Andava de cabeça baixa para evitar os olhares estranhos das pessoas. Mas não conseguiu evitar quando um menininho que entrega panfleto lhe parou pra entregar o papel e junto com ele disse:
_ Sua consciência está tranqüila?
_ Vá ao inferno moleque!!! – esbravejou Oscar.
_ Pra que tudo isso? – perguntou Rose.
_ Você não viu o que ele falou? – perguntou Oscar ainda furioso.
_ Ele só perguntou se você não quer ir à igreja dele. Se você ler o panfleto vai entender.
Oscar deu uma lida rápida e amassou o papel. A caminhada continuou e logo estariam no escritório que fica perto do Hospital do Coração. Ele já se sentia um pouco melhor, mas tudo voltou quando atravessaram a rua que dá na praça 13 de Maio e pro espanto de Oscar que viu uma funerária ao invés de uma perfumaria, a qual ele sempre vai pra comprar e que do lado de fora sempre fica uma mocinha distribuindo amostras, mas agora é diferente. Ele vê um homem vestido formalmente e este pára na frente de Oscar e diz:
_ Já comprou seu caixão?
Oscar não suportou ouvir aquilo e deu um soco na cara do homem. As pessoas ao redor se assustaram, Rose ficou estática, mas logo se recuperou e pegou Oscar pelo braço e o puxou para evitar novos problemas, porém não se conteve e perguntou por que fez aquilo.
_ Oras, você não viu o que ele perguntou?
_ Ele perguntou se você não queria fazer um cartão da loja, afinal todos sabem que você compra perfume nessa loja. Eu não sei o que você tomou, fumou ou sei lá o que, mas você está muito estranho.
_ Tomar? Fumar? Calma ai, ontem vi uns garotos na minha rua, mas nem lembro mais o que aconteceu depois, acho que vi eles fazendo algo errado e depois entrei pra casa. – disse Oscar começando a cair em si.
Os dois entraram no prédio e subiram pelo elevador até o sétimo andar. Entraram no escritório e Rose fez um gesto para que ninguém falasse nada, os dois tinham chegado atrasado e Rose já sabia que ele se atrasou para a reunião. Oscar apenas sentou em sua cadeira e ficou ali pensando em tudo que aconteceu e sem saber por que e como chegou naquela situação. Porém, foi interrompido pelo telefone de sua mesa. Atendeu e era a secretaria dizendo que tinha um homem querendo conversar. Oscar disse que não tinha nenhuma conversa marcada àquela hora, mas a secretaria disse que o homem insistiu e ele acabou liberando. Ficou esperando até que o homem bateu e entrou. Pra surpresa de Oscar, era o homem que tomou ônibus com ele de manhã. Oscar perguntou o nome dele e ele respondeu:
_ Oscar Medeiros.
_ Oscar Medeiros sou eu!!
_ Então todos estão contra nós!
Oscar num acesso de fúria e loucura saiu de sua sala e correu até a janela que tem saída para fora e de lá se jogou!
Tudo ficou escuro. Oscar acorda no hospital e do seu lado uma enfermeira, um pouco velha até, parecendo aquela que lhe pediu informação.
_ Calma que já vou chamar o doutor. – disse ela que foi até a porta e gritou: Doutor Gonzalez!! Doutor Gonzáles!! De repente aparece o doutor Gonzales que nada mais é que o jovem que ofereceu a droga para Oscar que viu no médico um rosto familiar. O médico se aproxima e pergunta:
_ Como fue la viagem?
_ O que disse?
_ Quiero saber se tu queres experimentar? – perguntou o jovem.
Tudo ficou escuro e quando Oscar arregalou os olhos viu-se na frente de sua casa ainda de noite. Oscar tinha pensado todo aquele tempo que pareceu um filme em sua cabeça, mas que não durou mais que alguns minutos.
_ Até quando vai ficar pensando ai? – insistiu o jovem latino.
Oscar olhou pros dois lados, viu que estava ficando tarde e que devia entrar para casa, então respondeu.
_ Não, obrigado. Até posso imaginar o que isso pode me causar.
_ Então ta, quando quiseres é só me chamar. Oscar Gonzales a seu dispor.
_ Non, non! – disse Oscar falando a mesma língua.
_ Buenas noches señor Medeiros.
_ Buenos sueños para usted. – despediu-se Oscar entrando pelo portão. Abriu a porta de casa e foi recebido pelos seus filhos que não dormem enquanto ele não chega, porque sabem que seu pai vai chegar, haja o que houver.
FIM.
26/11/05