Jardim de pedras
"La lutte elle-même vers les sommets suffit à remplit un coeur d'homme. Il faut imaginer Sisyphe hereux."
(Albert Camus, Le Mythe de Sisyphe)
Dourados raios de sol atravessam os galhos das árvores, na tarde fresca de verão.São árvores antigas, que resistem ao reiterado abandono do quintal, há décadas, sempre que acabam as férias e tudo ali fica por conta dos passarinhos, das corujas e até mesmo de algum roedor solitário.
Ela recomeça, agora, a sempre repetida tentativa de reorganizar o espaço ao lado do velho jambeiro. O encarregado da limpeza periódica do quintal, um pseudojardineiro, parece não compreender o conceito de jardim de pedras. Então, remove cuidadosamente com o rastelo os galhos podres e folhas secas que recobrem o pequeno jardim, onde jazem plantas que feneceram.
Dizem que os japoneses são em geral muito eficientes nas suas tarefas, porque ao realizá-las não divagam, pensando em fatos passados ou em possibilidades do futuro. Será? De qualquer forma uma meditação oriental, em que se esvazia a mente, é com certeza menos dolorosa do que uma reflexão sobre o sentido da vida. Como havia pilhas de lembranças sobre essa casa na sua memória, impossível não relembrar algumas enquanto trabalha no jardim.
Nos primeiros tempos da casa, o quintal era de areia, com uma cerca baixa de madeira. As crianças da família, na época, filhos, sobrinhos e seus amigos, brincavam livres pelos arredores. Há ecos daquele tempo por toda casa: risos, latidos,palavras... A maioria dos mais velhos já morreu. Alguns mudaram para lugares distantes. Ficaram frases,fotografias, histórias...
Aos poucos as pedras e vasos do jardim vão ressurgindo sob o amontoado de folhas e galhos retirados. Será necessário lavar tudo com o jato da mangueira.
Bem mais lá atrás, no tempo da sua infância, em um bairro rural da São Paulo antiga, havia um arremedo de jardim francês, canteiros arredondados, na frente sem muros da sua casa humilde de quarto e cozinha. Ela pulava corda, ao sol, com as crianças da vila e, nos dias de chuva, soltava barquinhos de papel na enxurrada da rua de terra. No fundo do terreno havia um pomar e ,na cerca de arame, trepadeiras floridas.Quando se perde a magia do pensamento infantil, a alegria demorada desaparece e restam efêmeros momentos . Foi o que tentou explicar à neta, quando perguntada sobre se estava feliz com a chegada das férias de verão.
Após a limpeza com a mangueira, ajeita as pedras maiores nos seus lugares,. Espalha as pedras menores. Refaz a cena, arrumando o vaso de onde jorram pedrinhas coloridas. Completa as pedras que se perderam.
As obrigações do cotidiano e a arte consumida e produzida ajudam a aliviar o sentimento de falta de sentido da vida, que a assalta de vez em quando. O sol começa a se pôr. Vem um cheiro de mar na brisa.
Finalizando a tarefa, replanta pequenas mudas no jardim de pedras, no lugar das plantas que morreram.