O intratável
Desde pequeno percorria dentro de si um desejo enorme de controlar o mundo. Sempre que possível - e naquela época, naquele contexto, era-lhe possível de certo modo - apoderava-se dos brinquedos, dos objetos, do ambiente que era o seu quarto, dos afetos à disposição que eram seus pais, administrando-os. A frustração que vem da impossibilidade de controle, ainda não tinha começado seu processo de lapidação.
Sentiu, na ocasião de seu sexto aniversário, o primeiro sabor da expectativa não alcançada. Não tinha sido a falta dos presentes ou de pomposa festa porque as teve. É porque percebeu que, durante os festejos, suas palavras não surtiam o efeito que até então promoviam. Até ali, suas palavras tinham o caráter de lei. Ao dizer o pai fazia. Ao indicar a mãe atendia. O mundo, que são os fatos, era gerido pelo menino. Durante a festa de seu sexto aniversário não.
A mãe ria com as amigas. O pai era o centro das atenções na roda de conversa sobre a bola. Os colegas se entretinham na cama elástica e na piscina de bolinhas. Percebeu que o evento era maior do que ele. Percebeu que nada podia fazer a respeito a não ser tomar uma atitude extrema que o tirasse da indiferença para os dali e que o recolocasse no controle. Berros, oriundos da raiva que trafegava por todo o corpo, foram proferidos causando constrangimento. Menos ao menino.
No decurso da continuação de sua infância, pré-adolescência e adolescência, passou a se utilizar do artifício do grito. O grito: esta manifestação de um ímpeto carente de qualquer pretensão lógica, de ponderamento, de consenso. Não havia a possibilidade de consenso com ele porque não havia qualquer senso. O grito!: diante de qualquer situação que fosse de seu desagrado. Passou a ter a alcunha, entre aqueles de seu convívio, de o "intratável".
Sua entrada na vida adulta demonstrou, em muitas ocasiões, que seus gritos não eram capazes de modificar a realidade de acordo com seus desejos. Ficou reprimido. Descobriu, a partir de sua mediana inteligência, que a possibilidade de modificar o estado de coisas demandava imenso poder que não tinha. Olhou-se no espelho e teve um "insight": "Eu não sou Deus. Eu sou insignificante". Decidiu-se recolher mas com raiva contida e cumulativa de quem muito quer e pouco pode.
Contemplava os impulsos em querer controlar a partir de um silêncio incômodo e de um amargor que vasava durante as interações que tinha, forçadamente, com os demais. Não era possível disfarçar o inconveniente que era existir. Cogitava, vez ou outra, a própria aniquilação física. Ponderava apenas. Não havia nele a coragem e a disposição que são presentes naqueles que controlam a tudo e a todos.
Tijucas, 15 de dezembro de 2022.
Cleber Caetano Maranhão.