VERME
Corroía sem vontade de corroer.
O tempo corroeu a matéria.
Deixe de loucura, Walesia!
Nada, Florivaldo, o tempo corroeu a matéria.
Somos vermes.
Só fico imaginando, como éramos.
Desculpa Florivaldo, fico imaginando na velhice, com a voz rouca, ainda com o peito cheio de ar.
Falar do passado.
Éramos minhoquinhas famintas e hoje estamos aqui, carregando o passado neste cérebro.
O oco na minha cabeça fervilha, como frieira querendo se sarar.
O cérebro é uma rede eléctrica que distribui estímulos para os membros superiores e inferiores.
Somos uma rede eléctrica, com postes e tudo, Walesia.
Bem-isso, Florivaldo, os órgãos inferiores são para filtrar o sangue e cuidar da respiração.
Não sei bem se é assim mesmo.
Eu gosto de ter um tempinho só para admirar o corpo humano.
Faz bem para mim.
Não sei porque as pessoas admiram pedras preciosas.
Fico a imaginar cada ser que respira neste planeta, de uma circunferência de quarenta mil kms, e fico me vendo lá longe. E tu não pensa nada, verme?
Nada, só penso em viver, a fome vem e o verme alimenta o cérebro, Walesia.
Fico imaginando os verme do cérebro se alimentando, tu sabe Florivaldo?
Nem imagino e não quero imaginar.
Não sei bem, mais deve se o sangue que o alimenta.
A comida transforma-se em fezes e deve sobrar alguma coisa. Sobra e vira sangue.
Vamos comer um frango de churrasco, Walesia?
Sim, Florivaldo, deixa eu pegar a minha bolsinha.
Já traga o lubrificante.