Reminiscência
Não havia nenhuma mensagem no celular. Nenhuma ligação quando ela chegou.
Mas eu abri a porta assim mesmo.
Não havia nada em seus olhos. Nenhum mistério e nenhuma razão especial que eu pudesse perceber.
Ela entrou. Eu não disse nada. Apenas apaguei a luz e a trouxe pela mão para o meu quarto.
Não demorou muito e as nossas roupas estavam no chão, e nós, jogados sobre a cama.
Deixei tudo fluir.
Os movimentos, os suspiros, os gemidos.
Eu não estava nem aí pra os vizinhos e nem para o meu coração.
Eu não estava aí pra nada. Sem nenhum senso de autopreservação. Sem a mínima vontade de fazer sentido.
Engoli seco tudo o que ela tinha para me dar e transbordei meu desejo quase que frustrado,
como um leão de circo, sem unhas, com os dentes quebrados, avançando contra as grades.
Eu estava preso, e ao mesmo tempo tinha as chaves da minha prisão sempre comigo.
Ela...
Ela era a minha maior contradição.
E eu sempre me lamentava quando ela desaparecia por alguns dias, ou quando sumia no meio da noite.
Perdia horas no chuveiro encarando as paredes e a água escorrendo pelo meu corpo.
Eu passava dias vomitando os meus pensamentos em versos que ela nunca iria ler por que nunca tinha coragem de enviar.
Eu arrumava a casa e botava as coisas no lugar, pra tentar disfarçar a bagunça dentro de mim. Mentindo pra mim mesmo que eu não me importava com toda aquela ausência.
Enfim. Ela estava de volta. Nua em pelo. Com os seios ao alcance de minhas mãos... Com as pernas ao redor do meu corpo. Subindo e descendo, como se o prazer fosse uma questão de vida ou morte.
Eu podia morrer naquele momento e estaria satisfeito.
Eu só queria um pouco mais,
só um pouco mais antes de abrir os olhos,
antes de vê-la,
procurando as roupas espalhadas pelo chão.
- 1 -
Ouvi quando ela fechou o chuveiro e retornou ao quarto, com uma toalha enrolada ao redor do corpo. Me estiquei e peguei uma lata de cerveja no canto da cama. Tomei um gole e fiquei observando ela enxugar meticulosamente o corpo, sentada na beira da minha cama.
- O que foi? - Ela perguntou, enquanto enxugava entre os dedos dos pés.
- Nada. Só estou te olhando.
Ela sorriu e voltou a se concentrar no que estava fazendo.
Tomei mais um gole da cerveja quase quente e pulei da cama. Vesti um calção e fui até a cozinha buscar outra lata. Quando voltei, Alice estava com um cigarro apagado entre os dedos, encostada na beira da janela.
- Se eu não viesse mais te ver, você ficaria chateado? - Ela perguntou.
- Não posso dizer com certeza. Mas dependendo do contexto, acho que sim.
Ela apertou as duas bolinhas mentoladas do filtro e acendeu o cigarro com um isqueiro preto.
- Por que o contexto é tão importante pra você?
- Tem várias formas de acabar um romance. Umas doem mais do que as outras.
- Mas se acabou, significa que não demos certo. Doeria de qualquer forma.
- Sim, mas eu estou em paz essa possibilidade faz tempo.
- Sério? Pensei que você me amava.
- Amo... Mas mantenho meus pés no chão.
- Não sei o que pensar disso - Alice disse, soltando a fumaça em minha direção.
- Só vemos as coisas de forma diferente.
- Diferente como?
- Você gosta de ter as coisas sob controle. Do seu jeito... No seu tempo. No meu caso, eu não faço questão de nada disso. Pra mim, amar significa estar disposto a perder o controle de certas coisas.
Alice ficou me encarando e mordeu os lábios pra disfarçar a tensão.
- É por isso que eu prefiro você calado às vezes.
- Por quê?
- Você não precisa racionalizar tudo. Não gosto de ser medida ou analisada.
- Não estou te analisando.
- Não? Então o que você quis dizer com isso tudo?
- Que eu te amo como a pessoa que vive nas minhas histórias. Mas amo também quando você foge do roteiro. Quando eu me esqueço das palavras certas, e até quando você não quer ouvir o que eu tenho a dizer.
- E como você acha que eu te amo?
- Sinceramente. Você nunca fez questão de me dizer. E eu provavelmente não tenho um retrato muito fiel da realidade com o pouco que você deixa escapar.
- Você acha que estou fingindo pra você o tempo todo?
- Não. Às vezes você sai do personagem.
- Que personagem?
- A que você escolheu ser pra esconder o que não quer mostrar.
Alice apagou o cigarro na mureta da janela e começou a juntar as roupas espalhadas pelo chão do quarto. Me deitei no canto da cama, tomei um gole de cerveja e fechei os olhos.
Não sei quanto tempo se passou. Mas quando abri os olhos ela não estava mais lá.
E eu fiquei sozinho, encarando o teto. Me perguntando se ela tinha estado realmente comigo,
ou se eu tinha novamente me perdido entre memórias que insistiam em não desaparecer.