_________________Asa-Branca
Zé Domingos arrebanhou a filharada, juntou as trouxas, cerrou a porta, catou o trilho. Desta vez, já não tinha Rosa, a disenteria tinha levado à cova a companheira de pelejas. No cercadinho do curral, o último bode, em pele e osso, presságios de morte.
Da porteira, o sertanejo abarcou a desolação num olhar derradeiro. A casinha de pau a pique, o terreiro limpo sem um pé de maxixe, o chiqueiro vazio, tudo torrando com a soalheira inclemente. O sertão era fogo. Zé se apartava da terra para não ver os filhos morrer à míngua. O insólito cordão da gente retirante varou o leito rachado do Xiquexique: o que foi fartura d'água, era chaga aberta no chão crestado. Na caatinga ressequida, devastação: nem um bicho de asa — há muito tinham migrado as aves de arribação — nem um eco de vida, nem um naco de verde.
O velho Pau de Arara arriou nos freios, levantou nuvem de poeira à porta de Zefa. O eldorado dos sonhos acenava ao Sul, a viagem só sacrifício, mas que escolha? No verde dos olhos da caçula Bartira, Zé leu réstias de esperança: ao florescer do mandacaru, ao arrulhar da pomba-pedrês, em revoada de asa branca, a volta era certa. Zé tinha fé, Deus não falhava.
"Asa-Branca": Composição de Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira
Tema da Semana: conto escrito com título e inspiração em uma música.